A “Divina Comédia” é aqui!

Dante Alighieri escreveu seu poema há mais de setecentos anos. Atual, incisivo, pertinente, dramático, apaixonado, seu escrito é tido como uma obra religiosa, ética e política. Hoje, quero mostrar aos leitores alguns aspectos atuais e procedentes, a partir de questões políticas e éticas contidas no livro do Inferno, da Divina Comédia.

No esquema contido em seu canto, Dante classifica alguns pecados e tipos de pecadores. No pecado da Incontinência estão os luxuriosos, gulosos, avaros e pródigos; nos da Violência e Bestialidade encontramos os tiranos, assaltantes, usuários; nas Fraudes Simples classifica os traficantes, hipócritas, ladrões, maus conselheiros e falsários, e por último, o pecado da Traição, aqueles contra os parentes, a pátria, os hóspedes e benfeitores. Esses são os tipos de pecados e de personalidades que o Poeta visita no Inferno.

Na introdução à Divina Comédia, Ed.34-SP-2009, o tradutor Eugênio Mauro frisa: “A meio caminho, ou seja, da duração expectável de sua vida, Dante, consciente de se haver desviado do reto procedimento, encontra-se perdido numa alegórica Selva Escura”. Encontra aí a figura de Virgílio, o poeta latino que, a pedido da alma beata Beatriz, o grande amor da juventude de Dante, vem se lhe oferecer como guia para o Inferno e o Purgatório onde, pelo exemplo dos pecadores e de suas penas, Dante poderá encontrar o caminho da salvação.” Pois bem, essa descrição dos tipos dantescos do Inferno não lembra ao leitor algum país da América do Sul?

A divina comédia é aqui mesmo. Com uma diferença: o intuito de Dante era procurar a Salvação! O dos nossos governantes, os nossos representantes do povo, os capitalistas selvagens da exploração do trabalho, os aristocratas e senhores de engenho não apontam para a Salvação, ou melhor, reparação dos seus erros. Estão a cada dia movidos por um canibalismo frenético que abocanha os nossos impostos para benefício próprio. Nunca nesse país se noticiou atos de corrupção, alguns comprovados, outros em processos de comprovação! E o nosso dinheiro suado, recolhido pelo fisco e supostamente destinado à saúde, moradia, cultura e educação?

Na saúde, olhem para o caos da capital da República; na educação, o desprezo pelas universidades e o incremento de centros universitários da iniciativa privada, cobrando horrores para formar nossos jovens, diga-se de passagem, formação deficitária; na política habitacional alguma coisa está sendo feita, ainda longe do elementar e na cultura? Quem quer cultura nessa terra? Cultura é sinônimo de possibilidades de pensar, de refletir, de escolher seus governantes, de criar conflitos em direção ao crescimento. Continuamos sendo manipulados, agora, não pelo Tio Sam, mas por aqueles brasileiros que “amam” o Brasil(?).

Será que os pecadores do Inferno Brasileiro do nosso Dante alberga o que Freud chamava de “oralidade sádica”, ou seja, pessoas movidas por uma voracidade constitucional, prima da inveja primária, que juntas praticam sem interrupção um vampirismo social? Aliás, em tempo, nunca se publicou tanto quanto hoje a literatura sobre vampiros. Vampiros falam de pessoas carentes, frustradas, mal-amadas, abandonadas, que para preencherem seu vazio sugam o sangue fresco das suas vítimas, na doce ilusão que ficarão plenos.

O dito popular diz: taça de carente nunca transborda. Então caro leitor, enquanto os poderosos não fizerem um ato de reparação de suas culpas, estaremos e continuaremos sendo ovelhas de pastores do Mal. Parceria criativa dos grupos dominantes, capacidade de renunciar às fantasias de plenitude material, respeito, amor ao próximo, consideração, distribuição de renda, são palavras e termos que não habitam nesse país, no século XXI. O animal-humano a cada dia se torna mais animal do que humano.

Aristóteles um dia escreveu: “É em primeiro lugar no ser vivo que é possível observar a autoridade do senhor e a do chefe político; com efeito, a alma governa o corpo com uma autoridade de senhor, e o intelecto regula o desejo(voracidade e inveja), o grifo é meu, com uma autoridade de chefe político e de rei.”(em sua obra, A Política).

No último canto, o Canto XXXIV, saindo do Inferno, Dante declama: ”Tomamos esse caminho escondido/ ele e eu, para voltar ao claro mundo/ e, sem repouso algum consentido,/subimos, ele primo e eu segundo,/ até surgir-nos essas coisas belas,/ que o Céu conduz, por um vazio rotundo; saímos por ali, a rever as estrelas.”

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