“Todos os poetas de Minas são o mesmo e único poeta. Representa o psiquismo das Gerais, isto é, a bipolaridade (coexistência de emoções e desejos conflitantes), a abulia (inibição da vontade), a libido(gana sexual), a oniomania (inclinação à barganha), a disforia (malestar espiritual, a ambivalência emoções contrárias de amor e ódio) etc.”
“O poeta de Minas”, crônica do livro: “Brasil Brasileiro” crônicas do país, das cidades e do povo.- Ed. Civilização Brasileira.
Ultimamente voltei a ler as crônicas de Paulo Mendes Campos. Mineiríssimo de Belo Horizonte, nasceu em 28 de fevereiro de 1922. Estudou sem ter se formado, estudou odontologia, veterinária e direito. Sucumbiu à sua paixão maior —-a Literatura — tido hoje e sempre como um dos maiores cronistas desse país. Deliciado, às vezes enrustido, calado mas de uma sensibilidade por demais profunda, e de uma lírica que nos deixa leve quando da leitura. Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino sempre são meus autores de cabeceira desde a adolescência até hoje. Vez por outra, entediado nessa vida às vezes pesada e nesse nosso Brasil meio que depressivo, volto a ler Paulo e, como uma mágica, sou tomado por uma alegria e serenidade que sua escrita passa. Parece, e acho que é, um verdadeiro pintor,(o que existe muito em Baudelaire, Flaubert e Proust), que descreve uma fenomenologia mundana com requintes de uma prosa poética, as palavras em seus devidos lugares e o humor como citei acima, de uma bipolaridade ou pentapolaridade mineira.
Límpido, afetivo, gracioso, sabedor das nuances do nosso futebol dos velhos tempos, Paulo me leva aos meus anos dos idos de 60 a 70 do século que findou.
Triste, melancólico, inteiro quando introduz sua poiesis ao iniciar a bela crônica em homenagem a Lúcio Rangel —-escreve Paulo: “Um choro explica toda a minha vida,/ a que vivi e a que sentì, ouvida/ relembra meu futuro entrelaçado/ no Rio presente/ mas passado,/ jarras ansiosas nas janelas/ até que novas flores morem nelas,/ bondes unindo o triste ao paraíso/ de um abraço, de um sorriso,/ tranças que se destrançam por um nada /se um anjo pula corda na calçada/ namorados dançando o ritual/ do fogo na moldura do portal…” Que cadência, que leveza de descrição, parecendo um ritmo andante de uma sonata para clarinete e piano de Brahms ou também uma tranquilidade, ainda que na tristeza, de uma “revérie” de Debussy entrando solenemente no século XX com seus arpejos dissonantes e suas melodias acalentadoras de mares infinitos!
Paulo Mendes é isso, a sensação de um estado de êxtase, um deslumbramento em tudo que escreve e um afeto ou uma afetuosidade que, às vezes nos leva às lágrimas com sua escrita singela e delicada e com a impressão de um homem cheio de generosidade e afetuosidade.
Viveu, numa fase áurea da nossa Literatura, por entre as amizades eternas de Rubem Braga, Fernando Sabino, Antonio Maria e o nosso poeta, um dos maiores, Carlos Drummond de Andrade. Em 2013, a Companhia das Letras editou o belo livro —“O amor acaba – Crônicas Líricas e Existenciais, contendo em sua orelha uma alusão ao posfácio feito pelo professor da USP, Ivan Marques, que escreve:” Paulo Mendes Campos ajudou a alargar os limites do gênero. Para ele, de fato, crônica podia ser tudo: tanto as digressões líricas e cômicas como as páginas de reflexão dedicadas à condição humana, às novidades do mundo moderno, às descobertas científicas e antropológicas etc. Leitor cultíssimo e atualizado, o cronista-ensaísta tem alma de pesquisador, vocação para inventar teorias e disposição para pensar sobre tudo (…)”.
Quando leio e relei o nosso mineiro, que sabia de uma maneira peculiar e detalhada, descrever a personalidade mineira, volto minha memória, na época, idos de 1960, para Maceió, terra onde vivi minha adolescente e o começo de minha vida adulta até se formar em Medicina e partir para São Paulo. Naquela época era costumeiro irmos às livrarias da rua do Comércio onde se encontravam as figuras da intelectualidade alagoana, entre elas, meu amigo pintor Getúlio Mota e o jornalista, que depois se tornou uma figura importante, Luiz Gutemberg. Os papos incluíam Paulo Mendes de Campos, Fernando Sabino, e o nosso querido tesouro —Graciliano Ramos. Época rica na vida de todos nós, pois tínhamos a curiosidade e fervura sobre leituras da Literatura Universal e do conhecimento humano em geral. Líamos Sartre, Hermann Hesse, Machado, Camões, Fernando Pessoa, Drummond e nosso Jorge de Lima. Meu amigo Sérgio era a pessoa especializada em Joyce e Kelmo, nome esquisito, sempre achei, mas uma pessoa boníssima, sempre com sua paixão: a matemática e a física. Recordo agora que foi quem me introduziu nas ideias sobre a “relatividade das coisas” e a “teoria das incertezas”.
Voltando ao meu homenageado de hoje, Paulo Mendes tem uma crônica que acho curiosa e muito agradável. Escrita com sua leveza, sua ironia fina, sem alfinetar ninguém, é claro, descreve coisas dos “mineiros”. A crônica tem o título de: “Mineiro brincando: fala de Minas”, da qual escolho alguns trechos.
“Qual o quê! Mineiro é ir embora no rasto da água. Minas tem mania de água…Uma coisa: supremo de Minas é o céu…Minas, deveras, é não explicar. O melhor vivente, o mais sabido, é arregalar um olho e puxar a cortininha do outro…Bel’zonte muda mais que donzela de busto novo, cheia de meios pensamentos, brincos. Antes, não, só era mais estrelajada. Gozava das roseiras antigas…Minas é sombra-sol. Igual, mas desigual. O São Francisco chega a incomodar as poesias nacionais da criatura”.
Pois é, prezado leitor, que bom e gostoso é ler Paulo Mendes de Campos! Para terminar nossa crônica de hoje resolvi transcrever um poema que Paulo Mendes fez a quatro mãos com Vinicius de Moraes, no apartamento de Fernando Sabino.
“Tudo que existe em mim de amor foi dado/ Tudo que fala de mim de amor foi dito/ Do nada em mim o amor fez o infinito/ Que por muito tornou-me escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado,/ Tão fácil para amar fiquei proscrito./ Cada coisa que dei ergueu-se em grito/ Contra mim o meu próprio dar demasiado.
Tendo dado de amor mais que coubesse/ Nesse meu pobre coração humano/ Desse eterno amor meu antes não desse.
Pois, se por tanto faz me fiz engano. Melhor fora que desse e recebesse. Para viver da vida o amor sem dano”.