Cenas da Vida II – O cotidiano do Brasileiro

Três conduções até ao emprego, ônibus, metrô e outros tipos de veículos públicos, às vezes malconservados, de suspeitas revisões, sem policiamento interno, superlotados, isso tudo vai delineando a primeira crise de pânico do nosso povo logo pela manhã. Claustrofóbicos espaços, viáveis a desrespeito, incivilidades e por vezes, cenas de abuso sexual, de atentado contra a integridade física, sem levar em consideração a imediates de esvaziar o veículo face à possibilidade de ser incendiada por vândalos e facções perversas.

Assim começa o dia no país do samba, do futebol e do carnaval; no país que tenta de uma maneira torta, sem compromisso social criar mais uma vez, a “ilusão do primeiro mundo” dentro de uma sociedade que cada dia se mostra mais bárbara. Criminalidade espantosa, recursos destinados à Segurança Pública deficitários, promovendo como consequência um deficit de policiais nas grandes cidades e principalmente nas pequenas capitais e cidades menores do interior. Somos reféns do medo, da insegurança, da maior vulnerabilidade a perder nossas vidas, somos uma população convivendo com uma brutal e constante “guerra urbana”. Gritos, sussurros, ódio, ressentimento, sentimentos de perda de pessoas queridas, falta de justiça em punir os assassinos, descrença na Polícia, fatores determinantes de um clima de “angústia de perseguição real”, “crises de pânico”, “fobias às ruas”, criação de “espaços de refúgios”, diminuindo o espaço legítimo de vida de qualquer pessoa que tem o direito de expandir seu mundo de oportunidade, criatividade, crescimento, cultura e expansão dos seus recursos pessoais. As pessoas estão amedrontadas, ameaçadas e acuadas em seus “condomínios necessários”, edição atualizada de áreas de “reserva humana” para se precaver da hostilidade e destrutividade dos seus irmãos humanos(?). Até as classes mais abastardas, a minoria que detém o poder econômico, transita com aparatos de segurança, automóveis blindados, imagino, vivendo dentro de um mundo vazio, pobre e desafetivado. Hoje temos a maior estatística de “quadros depressivos” que já se teve conhecimento. Vivemos numa epidemia também de Depressão e Pânico. A vida afetiva, a vida de expansão criativa, a vida de liberdade, a vida de prazer espiritual estão soterradas, estranguladas como consequência da mentalidade economês e tecnológica —- “seremos felizes com grana no bolso e tecnologia a serviço da realização dos desejos individuais, egocêntricos e narcísicos”, canta a prosa de um “império de absolutismo, poder, controle” meio parecido com a França do Sec. XVIII – O Rei é o centro do país para onde todos convergem. Atualmente, a edição melhorada desse reinado, tem sido o uso perverso chamado sistema presidencialista, com seu presidente(rei), seu ministro palaciano blindado, e seus súditos políticos controlados por uma astúcia de distribuição de cargos e garantias do poder.

Um fato recente nos remete a pensar qual a política de prioridade dos governos recentes. É fato que o governo se desviou da política de crescimento social em prol do crescimento material, pensando que, dinheiro no bolso, aquisição de bens materiais, freqüentar shoppings, achar que é da “nova classe média”, todos esses fatores são garantias de crescimento humano, civilizatório e prometedor de “felicidade”. Doce ilusão do capitalismo selvagem! Sem educação, sem saúde, sem segurança, todos os outros bens são vulneráveis demais. A filosofia do Ter não cria necessariamente transformações no Ser. Civilidade, ética, consciência social de direitos humanos, reflexão de questões políticas, identidade de eleitor, tudo isso não se consegue ganhando benesses, programas assistencialistas ou políticas sem sustentação futura. Precisamos pensar em nossos filhos pequenos, nos filhos dos nossos filhos, pois essa juventude já perdeu “o trem”, nasceu de lares com graves conflitos educacionais; foram educados num sistema escolar primário e secundários sem reformas necessárias, sem professores bem pagos e respeitados, sem modelos tanto no meio da família como das instituições governamentais que proporcionassem identificação com Cultura Ética, Humanista e Social(ista) Nasceram do vácuo criado pela Ditadura e da acomodação, ainda presente, de uma classe média que soterrou a possibilidade de politização, e de um segmento pretensamente politizado e ferido no pós-golpe, mas que parece que se distanciou dos ideais sociais e sucumbiram à vida vazia da perpetuação no poder. O que ficou do grito de Vandré? Do sistema de educação de Paulo Freire? Dos programas de renda mínima? Da melhor redistribuição de renda? Dos orçamentos realmente aplicados à Saúde, à Educação, dos Transportes e da Segurança? Tudo volta quanto era antes? Será que caímos na “Compulsão à Repetição”, mecanismo destrutivo estudado por nosso Freud ao mostrar que: a compulsão à repetição aponta para estagnar o progresso, o crescimento, a vitalização e expansão do ser individual e social. Essa é mais uma cena desse nosso Brasil doente de civilidade, ética e capacidade de pensar no social sem pretensões eleitoreiras e falta de consciência em atender as necessidades fundamentais de cultura humanística .

Fiquemos hoje com um fragmento do poema de Affonso Romano de Sant’Anna – “Que País é Este? (1980):

“Uma coisa é um país,
Outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
Outra um monumento.
Uma coisa é um país,
Outra o aviltamento”.
“Há 500 anos caçamos índios e operários,
Há 500 anos queimamos árvores e hereges,
Há 500 anos estupramos livros e mulheres,
Há 500 anos sugamos negras e aluguéis”.

HÁ QUINHENTOS ANOS? (o grifo é meu).

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