Psicanálise da Vida Cotidiana: Psicanálise, Literatura e Política – 22/07/15

Freud deixou-nos legado que inclui a função política e social da psicanálise. É tarefa do psicanalista continuar o trabalho, na clínica e na comunidade, de um olhar analítico para entender a experiência emocional tanto no aspecto privado quanto no social. Levar ao público temas vividos e conversados na sala de análise, numa conexão entre psicanálise, literatura e política.

Tanto o psicanalista como o escritor ou artista têm algo em comum: apreendem por meio da intuição e da capacidade estética o indizível, o inaudível, aquilo que repousa na inconsciência do ser humano. A palavra falada e a palavra escrita são meios de comunicar estados de mente, experiências de prazer, desconforto e angústia não visíveis comumente. Pensar é uma atividade angustiante e requer mentes que suportem as vicissitudes da dor mental e possam trandormar a experiência em palavras, em metáforas. Quando se nomeia uma angústia indizível a mente se acalma e pode daí, retirar proveito da elaboração do estado angustiante.

Os psicanalistas interpretam; os escritores e poetas, em linguagem sofisticada, revelam o não dito, o que se esconde nas profundezas da experiência psíquica. Juntos, literatos e psicanalistas contribuem para que a comunidade possa pensar a vida privada e os fenômenos sociais e políticos. A arte, o vértice artístico, tanto na literatura como na psicanálise só adquirem o status de Arte quando publicada, quando a ação é pública, caso contrário tornam-se atividades que se encerram sobre si mesma. O criador só faz Arte quando sai de si, do seu refúgio criativo e mostra sua atividade, através tanto da interpretação quando da encenação. Daí a função de um psicanalista hoje, mais do que nunca, tem de atravessar as paredes do consultório e contribuir social através da sua função política, humanitária.

Nos nossos consultórios e na elaboração poética e literária, encontramos, captamos e intuímos questões que dizem respeito a tessitura da pele psíquica: ciúme, inveja, competição, relações sado-masoquistas, fantasias sexuais perversas, rivalidade, distúrbios intra-familiares. Estes fenômenos apontam para partes destrutivas da personalidade e dos grupos sociais, evidenciando impulsos agressivos, homicidas e suicidas, ou como estudou S. Freud, as consequências malévolas dos impulsos de morte. No texto clássico do pai da psicanálise –“O Mal Estar na Civilização, Freud mostrou como a civilização tem de recorrer a tudo para por limites aos instintos agressivos do homem e com isso, evitar sua desintegração. A Cultura é um meio de civilizar os impulsos, coisa que na atualidade anda meio complicada, pois parece que o animal-humano tem sido mais animal do que humano independente do seu crescimento tecnológico e econômico.

Essas questões que levanto são aspectos fundamentais para a psicanálise pós-moderna: o compromisso com o social para colaborar, através de equipes multidisciplinares numa política de saúde preventiva.

Deixo o leitor com os versos que tanto gosto do nosso querido poeta maior – Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Os ombros suportam o mundo”:

“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.

Em vão as mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas do teus amigos”…

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico, Psiquiatra, Psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association IPA/London

Coluna publicada todas as quartas-feiras no “Blog do Moreno” de O Globo

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