Marcel Proust, uma metáfora!

“Eis o programa que Marcel Proust realizou, construindo “l’edifice immense” de À la recherce du temps perdu”. Thibauder chamou-lhe “ o Saint-Simon da sociedade de 1890”, definição que lembra imediatamente várias analogias: o nervosismo do estilo, o vigor da caracterização dos personagens, a minúcia nas descrições das cerimônias mais insignificantes, o panorama dum grand monde que se decompõe, seja a aristocracia da época de Luis XIV, sejam os últimos rebentos dessa mesma aristocracia, ligados à burguesia judaica de Paris, assustada pelo “caso Dreyfus”. ( “Fin du Siècle Por Carpeaux”, editora Leya ).

Menino rico, de familia burguesa, filho de médico, Dr. Adrien Proust, figura importante nos meios acadêmicos de Paris, imbuído durante toda a sua vida em estudar, escrever e criar programas de higiene mental, principalmente numa França infectada pelo cólera e a peste bubônica.

O jovem Marcel nunca levou a sério nenhuma profissão esperada por seu pai, Direito e Medicina, pelo contrário, a Literatura sempre o fascinou até o fim de sua vida. Chegou a dizer a empregada da família: Ah, Céleste, se eu pudesse ter certeza de que meus livros farão pelas pessoas tanto quanto meu pai fez pelos doentes “Mesmo em meus momentos mais desesperados, nunca concebi nada mais horrível do que um escritório de advocacia”; “ O que me resta, visto que decidi não me tornar advogado, médico ou padre…? perguntava-se aos vinte e dois anos, Proust cada vez mais angustiado.

Esse menino mimado, cheio de vontades, atrelado sempre à sua mãe, madame Jeanne Proust, trouxe em sua bagagem vivencial e histórica uma relação profunda, apaixonada e fusionada com essa mulher que tanto o amava, e sofreu durante toda a sua existência de sintomas respiratórios.

Recentemente, em seu no. 13 da Revista Serrote, publicação do Instituto Moreira Salles, foi publicado um belo e profundo ensaio —“Proust e a Mãe”, de Michael Wood. Professor de literatura comparada e inglês em Princeton.

A relação do autor da Recherce com sua genitora é algo de imprescindível para entender sua obra. Numa expressão de preocupação, cuidado e amor pelo filho e por seu futuro, Jeanne Proust chega a recorrer uma citação de Corneille para “animar o filho, uma exortação aos franceses”:” Se você não é romano, seja ao menos digno de sê-lo”. Marcel sempre teve ao seu lado essa mulher generosa e profundamente apaixonada por seu filho assim com ele por ela.

Há uma passagem em suas vidas, citada no Ensaio de Michel Wood, capaz de encher de lágrimas o leitor, onde após uma discussão entre os três: pai, mãe e filho, sua mãe numa carta escreve: “ Meu querinho — Sua carta me vez bem – seu pai e eu tínhamos ficado com a impressão muito ruim das coisas (une impression fort pénible). Devo dizer que em nenhum momento pensei nada na presença de Jean (o criado) e que se isso aconteceu foi inteiramente sem consciência de minha parte ( à mon insu ). Basta de pensarmos e de falarmos nisso. O vidro quebrado será meramente o que é no templo — o símbolo de uma união indissolúvel. Seu pai deseja boa noite e lhe deixo um beijo carinhoso. JP.” Essa mãe que escrevia bastante a seu filho, de certo modo, também adquire uma função de proteção excessiva e de controle, o que deixava Proust fantasiando uma frase cruel, verdadeira ainda que em sonho, que Michel Wood principia seu ensaio: “ Matriz da Recherce, a relação entre Marcel e Jeanne revela a tese de que é melhor matar o que se ama do que ser abandonado”. Frase impactante, depois relevelada por S. Freud nas fantasias homicidas das crianças em relação aos seus pais. No entanto, Proust e acredito outros vários autores, tiveram a realização desses desejos (revelados em Édipo de Sófocles e Hamlet de Shakespeare) para não falar na autoanálise de Freud quando da interpretação dos seus próprios sonhos, um deles comunicado a Fliess seu amigo-analista. Sonho no qual o pai da psicanálise realiza em si mesmo o Complexo de Édipo. Proust, diz Michel, “está adaptando suavemente seu artigo no Figaro — agora ele está delicadamente dizendo “pareceu” –, e, no entanto, boa parte da força dessa história pavorosa se prolonga…Existe um epílogo, no entanto, e tivemos uma sugestão disso na última citação. Parricidas virtuais podem sobreviver, e até mesmo se tornar romancistas( o grifo é meu).

Essas alusões e acontecimentos na vida de um dos maiores escritores modernos da literatura universal apontam para questões importantes e delicadas nos dias de hoje. Aqui estão exemplos na dinâmica familiar, das fantasias homicidas, matricidas e patricidas transformadas em arte, em literatura, consoante a função mais criativa da psique humana, descrita por Freud — A SUBLIMAÇÃO. Hoje o que assistimos na mídia em geral, como me afirmou um amigo outro dia, é que não se “brinca mais de matar”, como fazem as crianças ainda que os escritores e artistas continuem a fazer — hoje se mata pai, mãe, irmã, namorado e se cometem outros crimes hediondos. Há pouco assistimos a prefeitura da cidade de São Paulo tomar uma atitude sana e corajosa — velocidade de 50 quilômetros dentro do espaço urbano. Talvez todas as classes, principalmente os “civilizados da classe média” se horrorizaram com a medida. Que pena que eles, mesmo através de ato civilizatório, não entendam a Metáfora contida na lei e na capacidade de sublimar os impulsos — Caso prossigamos nessa “liberdade excessiva”, continuaremos a assistir o já atual Barbarismo da sociedade tão avançada na economia e tecnologia, e tão primitiva na Civilidade. Que seremos de nós todos se não domesticarmos os impulsos de morte, homicidas, antes que a morte natural termine nossa existência?

 

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