“É mentira que a esperança foi viajar”

 

O título da minha Coluna de hoje é do poeta Álvaro Alves de Faria. Nosso poeta declamou esses versos que fazem parte de um poema intitulado “O Sermão do viaduto”, 1965, após o golpe militar. Poema lido por Álvaro, no Viaduto do Chá, na cidade de São Paulo. Em seu Canto IV diz: “Serraram o meu coração e puseram um/ pedaço menor no bolso muito escuro/ e o maior para continuar: deixaram/ gelo no corte e permitiram que alguém/ tocasse com um estilete./Esconderam o ponto central, onde eu guardei a ternura./ Serraram meu coração e colocaram/ vidro de garrafa enfiado num pequeno/ sonho de participar e amassaram/ com ódio de todos os outros a/ esperança da reconstrução, e encheram/ de terra tudo o que tinha de vazio e/ seus véus dependuraram na cerca da noite”.

No Canto V – 1, o poeta continua: “Existe uma voz clamando pelos tristes./ A estrela não morreu, nem a barca afundou:/hoje é preciso o sol e a âncora para/ sustentar os pedaços dos brinquedos/ É mentira que a esperança foi viajar/ e voltará logo”.
“É mentira que a esperança foi viajar/ e voltará logo”.
Nosso Brasil anda triste de uns anos pra cá. Parecia que o navio escorregava em ondas transformadoras, em águas ainda que revoltas, promissoras, em deixar brilhar na superfície a beleza do crescimento, do desenvolvimento, da educação, da saúde, da segurança, da habitação e da justiça. A embarcação levava dentro de si “idealistas”, grupo de pessoas que tinham um missão a cumprir, anos após “o sermão do viaduto”. A Economia e o crescimento tecnológico avançaram, as condições materiais do povo melhoraram, o consumo foi incentivado e uma “classe média” surgiu do fundo do mar. Tudo parecia uma caravela de conquistadores, desbravando mares nunca antes navegados (a democracia), a liberdade de imprensa e as promessas de transformar nossa nação numa sociedade mais justa, com menos diferenças, com uma regular diferença de classe. Os anos se passaram, o Brasil era alegre(?), promissor, fazendo parte de nações desenvolvidas, melhorando a taxa de mortalidade infantil, levando as crianças às escolas, dando lugar ao feminino no Poder, reconhecendo e incentivando uma mentalidade com menor preconceito racial. Tudo parecia tão belo e almejado, tudo parecia que o sol brilharia mesmo que crises existissem como fazendo parte do crescimento humano e social. “Não exite progresso sem os contrários”, afirmou um dia o poeta William Blake no livro: “O casamento do céu com o inferno”.
Devagarinho aprecem os escândalos, os caixas dois de campanha, doações suspeitas, empresas públicas e privadas praticando corrupção, compostas de ávidos corruptos. As verbas orçamentárias se aplicavam aos programas sociais, penso de fundo mais populista, eleitoreiro do que de sérios projetos sociais. E, de repente, o navio encontra bancos de areia: o mensalão, as condenações, a outra face de políticos que se beneficiavam dos desvios de verbas públicas. O Governo apostando numa mídia que mostrava o Brasil em passos largos ao primeiro mundo. Tal como em tempo de carnavais, veio a quarta-feira de cinzas, só que, sem arrependimento e elaboração da culpa. Os “dionísios” em banquetes bacais deliravam chegar ao paraíso, deixando a maioria da população aqui embaixo, sofrendo dívidas, juros altos, extorsivos, descrença nas promessas. Alguma “morte anunciada” aparecia nos mares, agora escuros, sombrios e demoníacos. O navio obstruído pelos bancos de areia agora tende a afundar, a catástrofe é iminente, caso o próprio governo não dê o exemplo de cortar despesas em seu próprio território. É curioso (?) o fato de, numa hora de arrojo, os donos da casa se privam, aumentam seus salários, facilitam vantagens pessoais, recusam-se a cortar na própria pele o que foi consequência da insensatez, na falta de gestão e dos conluios partidários. Frei Beto outro dia, homem de bom senso, chegou a mostrar que o governo se perdeu quando enfatizou uma política econômica olhando para o “material”, para o consumo. Deixou de lado a Educação, a capacidade de humanizar a população e de lhe dar condições de crescimento ético e moral. Perdemos o rumo do Navio. Após um naufrágio, o que nos resta saber é: será que ainda temos tempo de juntar os pedaços desse naufrágio e nadar até a praia?
Precisamos todos, dos versos de Álvaro Faria: “É mentira que a esperança foi viajar/ e voltará logo”.
Nilton Bonder em seu livro: “A Arte de se Salvar”, Editora Rocco, escreve num de seus capítulos um pequeno ensaio sobre a palavra “Tachlis”. Diz ele:” Existe uma maneira de testarmos a presença do mistério e daquilo que é velado em nossa vida. Trata-se do teste de tachlis. Essa palavra, uma corruptela de idioma iídiche do verbete hebraico tachlit (objetivo), é uma expressão utilizada para exigir um compromisso absoluto com o concreto e o real. Seu significado literal é “sem subterfúgios”, “na prática”, “sem rodeios” ou “objetivamente”.

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