“Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário…Perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver…Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira…Desapegar-se, é renovar votos de esperança de si mesmo. É dar-se uma nova oportunidade de construir uma nova história melhor. Liberte-se de tudo aquilo que não tem te feito bem…”.
Fragmentos do poema “Praticando Desapego”, de Fernando Pessoa.
Outro dia, recebi esse fragmento do poema de Fernando Pessoa de um amigo meu e, como se alguém conspirasse, uma amiga deixou também em meu email um outro poema atribuído ao poeta Mário de Andrade. Atribuído, pois há dúvidas se é dele ou de outro poeta, Ricardo Gondim – “O valioso tempo dos Maduros”. Ambos têm em comum uma invariante: a questão da maturidade em nossa vida. Deixarei para transcrever o outro no fim da minha crônica. Vamos pensar um pouco no tempo da maturidade!
Nascemos carregando dentro de nós aquilo que Freud chamou de “narcisismo primário”, ou dizendo de outro modo, um amor por si mesmo, absoluto, e enxergando tudo como se fosse extensão do nosso ser. A diferenciação entre Eu e não Eu é um processo lento, que vai acontecendo na medida em que vamos reconhecendo o outro, a alteridade. Claro que isso não é fácil uma vez que exige renúncia, humildade, saber se colocar no lugar de alguém, considerar não só os nossos desejos e passar a criar relações de parceria, de troca, onde cada um do par cuida para abrir mão da sua prepotência, arrogância, ou seja, um narcisismo destrutivo da dupla.
Ao longo da vida criamos laços, fazemos parte de grupalidades em nossa vida amorosa, social e profissional. Participamos de comissões, de agremiações, de diretorias, de cargos de poder, enfim, somos levados a dirigir e realizar alguns projetos representando funções de lideranças. Acontece que toda vez que se chega ao Poder, “o poder tende a subir à cabeça” e aí se formam os líderes messiânicos, prepotentes, donos da verdade, ditadores ou coisa semelhança. Caso nossa saúde psíquica não esteja adequada ao convívio grupal, queremos o poder e queremos sempre permanecer nele. A ciência do bem viver aconselha que as pessoas participem do poder, passem um tempo e saiam, dando lugar aos sucessores. Quando se é tocado pelo veneno do “narcisismo destrutivo” a tendência é permanecer nesse poder, ainda que seja de uma maneira indireta: “pastores que criam suas ovelhas”, pois elas continuarão a mantê-los na função poderosa criando a figura tão conhecido como “Eminência Parda”.
Essa dinâmica é em casa, no grupo social, nos clubes e em todos os cargos políticos que uma pessoa possa exercer.
“No tempo da maturidade”, dito de outro modo, quando sentimos que essas relações que implicam exercícios de poder, que lidam constantemente com situações de ciúme, rivalidade, inveja, fantasias de onipotência e onisciência trazem desgastes sérios à nossa saúde física e mental, é hora de sair, de “desapegar-se”, de saber que a passagem chegou ao fim. É hora de recolhimento, de se libertar daquilo que não mais lhe faz bem, enfatiza nosso querido Fernando Pessoa.
A hora da maturidade é o momento que “confraternização demais” desgasta, e merecemos viver numa relativa distância para que possamos nos dedicar um pouco mais a nós mesmos sem necessariamente nos convertermos em “autistas” ou “anoréxicos afetivos”. Não, a maturidade é a hora do repouso, de se dedicar a outros projetos que não nos exponha a conviver com sentimentos fortes de hostilidade humana.
Friedrich Nietzsche escreveu em uma de suas obras da maturidade – “Aurora”: aquele que “caminha por suas próprias trilhas”, é aquele que pode viver uma “necessária solidão e recolhimento”.
Pensemos caro leitor, em várias figuras humanas que exercem o poder e não realizam sua maturidade, mantém-se apegado às lutas que envolvem competições pretensiosas e fantasias de onipotência. Deixo-os com o poema “atribuído” ao grande mestre do Modernismo – Mário de Andrade:
“O valioso tempo dos Maduros”.
“Contei meu anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora./ Tenho muito mais passado do que futuro./Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas./ As primeiras ele chupou displicente,/ mas percebendo que faltam poucas,/ rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades./ Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados./ Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,/ cobiçando seus lugares, talento e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,/ para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha vida./ Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,/ que apesar da idade cronológica, são imaturos./ Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral./ As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos./ Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,/ minha alma tem pressa.
Sem muitas cerejas na bacia,/ quero viver ao lado de gente humana, muito humana,/ que sabe rir de seus tropeços,/ não se encanta com triunfos,/ Não se considera eleita antes da hora,/ Não foge de sua mortalidade,/ Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade./ O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial”.