“O senhor..Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas —mas que elas vão mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida nos ensinou. Isso me alegra, um montão”.
Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas, pág 23.
Esta semana, será realizado, do dia 24 ao dia 31, o XXV Congresso Brasileiro de Psicanálise, na cidade de São Paulo, sob o patrocínio da Federação Brasileira de Psicanálise e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. O Congresso tem como organizador científico, o nosso colega, Diretor Científico da FEBRAPSI, Dr. Daniel Deloya e a Presidência do Dr. Aloysio D’Abreu e da Dra. Nilde Franch. Estarão presentes Psicanalistas de todo o Brasil e do Exterior, discutindo o tema central do encontro – SONHO/ATO – A REPRESENTAÇÃO E SEUS LIMITES.
Pode parecer complicado, mas a ideia de Representação vem dos estudos de Freud e diz respeito a um duplo do “objeto ausente”, que ela faz evocar, existir, ainda que na ausência no mundo exterior. Enquanto o ATO leva-nos a inferir uma “função do Ego” para ir em busca de uma “adaptação mais adequada ou menos insana”, com o objetivo de realizar seus desejos inconscientes e conscientes. Coisa diferente, quando em linguagem psicanalítica falamos em ATUAÇÃO, fenômeno impulsivo, inconsciente, em geral num momento de desespero e angústia ou de atuação de memórias recalcadas sem passar pelo crivo da experiencia emocional (afetiva e intelectual).
Somos premidos, todos nós, seres humanos para buscar o prazer, a satisfação e, para isso, às vezes, nossos impulsos à realização saem sem levar em consideração o que Freud chamou de “princípio da realidade”. Matéria bruta sem civilidade e cultura.
Aproveito minha coluna para me restringir à questão do Ato, mais especificamente da Atuação. Sempre, quando estamos diante de realizar um desejo, somos levados, de uma maneira sana a pensar, discriminar, avaliar se esse desejo é viável e coerente com nossa “realidade interna” e com a “realidade externa”.
Já houve quem dissesse que o “pensamento é o prelúdio para ação”: Um psicanalista moderno, anglo-indiano, Wilfred R. Bion, dedicou parte de sua vida profissional, através da experiencia clínica, da observação dos fatos da realidade e de seus conceitos e conjecturas teóricas, a estudar as nuances da “capacidade de pensar” em contraposição à “capacidade de atuar”, de agir de modo impulsivo diante de situações de muita angústia e turbulência emocional. É melhor se livrar do desconforto, da responsabilidade dos nossos instintos, atribuindo culpa a alguém – fenômeno universal do “pode expiatório”. No desenvolvimento dessas ideias, Freud sempre alertou que é impossível fugir de nós próprios ainda que se projete nos outros e na realidade as nossas culpas, mazelas, conflitos e desejos.
Vivemos numa sociedade atual que, atuar, agir sem pensar, fazer qualquer coisa para realizar nossos desejos, mesmo usando métodos de funcionamento patológicos, perversos, são padrões de funcionamento mental corriqueiro e denunciados diariamente na mídia. Somos humanos, civilizados, aculturados, ou ainda como escreveu acima Guimarães Rosa, pessoas se fazendo, ainda não terminadas (?), atuando suas partes neuróticas, perversas e psicóticas?
O homem, animal-humano, nunca precisou tanto da capacidade de pensar para diminuir o “bicho”, o “monstro” que existe dentro dele. E esse “monstro”, penso, hoje se restringe a uma voracidade e inveja tão intensas que como consequências determinam a corrupção, a falsidade, as gangues de assaltos aos cofres públicos, os crimes hediondos e essa capacidade de um ser que mata mais seus semelhantes do que os animais. Ainda nos chamam de civilizados!
Bom, esses temas serão discutidos exaustivamente no Congresso, tantos os psicanalistas como outros profissionais afins, no sentido de refletir saídas, alternativas para uma sociedade menos adoecida e apaixonada pelo “poder”, “o uso das pessoas” para satisfações próprias e, lamentavelmente, a perda da noção de estrutura familiar, de direitos universais básicos, de justiça, de governo, ou seja, de referencias para “identificações” mais consistentes dos nossos filhos e netos.
“Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem garanta que nem todas, mas somente as de verão.
Mas no fundo não tem importância.
O que nos interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos.
Sonhos que os homens sonham sempre
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano,
Dormindo ou acordado”.
William Shakespeare em “Sonho de um noite de verão”.
Nosso país está necessitado de “Sonhos”, de “Representar” nossos anseios e desejos de uma maneira sadia que possa “Obstruir” atitudes de perversão e condutas “antropofágicas” no sentido de acumular poder, riquezas indevidas, roubos, assaltos de colarinho-branco e falta de responsabilidade com os compromissos com a sociedade.