Psicanálise da Vida Cotidiana: A presença e a ausência – 09/12/15

 

 

A experiência humana desde o nascimento é um ir e vir, na presença de alguém. Estar no útero e sair dele é o destino inexorável do ser humano. A experiência uterina e o nascimento, instalam o primeiro modelo de relação – a fusão, a confusão, o ser atado a uma pessoa – a mãe. Essa presença forte, impactante e modeladora do “ser” é vital, pois começa a dar um sentimento de acolhimento, de segurança e de que sozinho é difícil e impossível começar a existir. Entretanto, ainda que a presença tenha sua função vital, a ausência é seu par inevitável. Tudo que aparece, desaparece; tudo que junta, separa; tudo é, e não é. A ausência é o protótipo da condição de perda da completude, e isso é fundamental, pois se a pessoa fosse plena jamais ela teria noção da existência do Outro e de Si Mesmo.

A mesma mãe que está por perto é aquela que se ausenta. Esse modelo de junto e separado, acompanha o ser humano até a morte, ainda que se use de controle sobre a outra pessoa; mesmo sentindo e pensando que o parceiro é posse, a condição humana é de solidão e parceria, solidão e parceria como um conjunto, algo implícito, dialético, mesmo que angustie e seja paradoxal. O que seria de alguém se colocasse toda a sua vida em vida de outra pessoa? Quando se é infante é básico, necessário, mas à medida que vai crescendo é importante criar um patrimônio próprio de sobrevivência. Eu chamo isso de cuidar do “egoísmo de vida”, que não é sinônimo de abandonar ninguém nem ao menos desconsiderar. Quando não se exercita autoestima, se é fadado a desenvolver um modo depressivo de ser.” O importante é o outro; minha vida é a vida da minha mãe, da namorada, do amante, enfim, minha vida não é minha.” Caro leitor, que tragédia pode emergir de um modelo desse! Daí, a capacidade de estar sozinho, desde criança, de ter momentos de solidão, privacidade (nem sempre respeitados e incentivados pelos pais) é fator estruturante para se desenvolver uma mente saudável. O encontro é também condição para se ter a crença necessária de ser amado. A literatura universal é colorida de exemplos belos: Penélope e Ulisses; Tristão e Isolda; Dante e Beatriz, enfim, parcerias fundadas no mito de que o verdadeiro amor é aquele que se acredita eterno e fundido com o outro. Dito de modo diferente: é fundamental que alguém acredite e sinta ser amado, tanto na ausência como na presença. Um dia um namorado chegou na casa da namorada, e ao recebê-lo, a jovem não lhe beijou. Logo ele ficou aflito, inquieto e frustrado. Em seguida falou: você não gosta mais de mim? Retrucou ela: não entendi, de onde você tirou isso? Respondeu o namorado: “você não me beijou até agora!”
É claro que ser recebido com um beijo, um afeto, um carinho, é muito importante. Entretanto estou usando esse diálogo metafórico como algo mais profundo: a ausência às vezes, é vivida como sinônimo de abandono e desamor. Isso necessariamente não é verdade. A questão é que nosso “personagem” não tem recursos para sentir e pensar ser amado na ausência concreta da sua amada. Porque, perguntaria o nosso leitor? São João da Cruz, teólogo e sábio da Igreja um dia escreveu: “quem não tem amor no coração sofre de solidão“.
Sempre é importante pensar: as pessoas por mais íntimas, necessárias e importantes que sejam, não são a vida de alguém, fazem parte dela, caso contrário todo mundo teria de ser gêmeo e confundido com o outro. Quando alguém vive essa “ilusão de fusão”, não suporta se separar. Se alguém acha que o outro é ele, como poderia se separar de si mesmo? No futuro não se poderá fazer luto pela perda de alguém amado, far-se-á uma depressão. Essa imagem é uma metáfora poética, um jeito de se sobreviver no engano, mas jamais alguém será o outro. Nas tragédias descritas pela literatura universal, quando o amante se mata ao ver sua amada morta, afirmam: morreu por amor a ela! Não, morreu por desamor a si mesmo, essa é a verdadeira razão. 
Prezado leitor, deixo essa ideia: presença e ausência não são termos excludentes, são um par, um conjunto na dinâmica das relações humanas. O fundamental é que, tanto a ausência como a presença da mãe, ou de alguma outra pessoa que tenha essa função, não seja tão demorada no tempo. Na ausência demasiada, a crença é de que se perdeu o outro, ou foi abandonado; na presença demasiada, o sentimento é de sufoco, de aprisionamento pelo outro. Tanto uma como outra situação criam dificuldades sérias no desenvolvimento e crescimento psíquico de uma pessoa.

 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico, Psiquiatra, Psicanalista da Sociedade de Psicanálise de Brasília SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association IPA/London

Coluna publicada todas as quartas-feiras no “Blog do Moreno” de O Globo

 

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