Em 1950, Sebastião Nery escreveu em “Folclore político”, publicado recentemente num livro dedicado a Graciliano Ramos organizado por Ieda Lebensztayn e Thiago Mio Salla, editado pela Record um belo artigo.
Conta o jornalista que, Graciliano Ramos e Otto Maria Carpeaux conversavam muito sobre política e cultura. ”Uma noite, depois de algumas doses, veio a conta. Tudo aumentado. O custo de vida estava embalado. Carpeaux olha a nota, diz apenas: –Como as coisas estão, intelectual vai ter que pedir esmola. Graciliano levanta os olhos. —-A quem?
Sessenta e cinco anos depois estamos no mesmo. Inflação vai e vem, criando uma “compulsão à repetição” na economia e na vida política dessa nação “deitada em berço esplêndido” (?). Aliás, por falar em repetição, é bom que se diga que repetição faz parte da aprendizagem e do crescimento tanto individual como social. Outra coisa é o que Freud cantava em prosa e verso —“compulsão à repetição”. Se a repetição é iterativa, compulsiva, é sinal que o crescimento parou, que as forças destrutivas venceram as construtivas. O resultado disso é a mesmice, “esse filme nós já vimos”, a economia do país se repete, a dívida interna chega a percentuais altíssimos, os gastos do governo com sua administração são imorais, o sacrifício de poupar para crescer é inadmissível. Nesse nosso país só se governa em causa própria, deixando de lado a função social e humanista. As bocas estão todas apontadas para um “vampirismo” do erário público e do dinheiro do povo.
Não só os intelectuais vão pedir esmola, a maioria da população está carente de tudo nesse momento. A rigor, as esmolas que os governos têm dado são em benefício próprio. Não se administra focando a saúde, a educação, a cultura; a administração está voltada para criar a fantasia de que o consumo e a tecnologia são os pilares de uma feliz sociedade. Doce engano! e, engano maior está vivendo a falida nova classe média. Desiludida, endividada, sem poder pagar o preço da sua “alucinação” reiterada pelos governos “bondosos” e “virtuais socialistas”. Não se pode mais pagar a prestação da casa própria; não se tem incentivos para adquirir bens estáveis; as escolas públicas são deficitárias; os professores mal remunerados; os hospitais sem verbas, pois a corrupção é desastrosa; tudo se esparrama numa ladeira do descontrole, da falta de confiança em investir no Brasil e, principalmente, na descrença maldita em relação à vontade política. 2015 repetiu compulsivamente o modelo brasileiro de “casa grande senzala”, ou seja, aos patrões os lucros; aos escravos o trabalho sem o mínimo de lucro. Ouçamos Carlos Drummond de Andrade em seu poema “Consolo na praia”, do livro “A Rosa do Povo” (1945)
Vamos, não chores…/ A infância está perdida./ A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou…/ O segundo amor passou./ O terceiro amor passou./ Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo./ Não tentaste qualquer viagem./ Não possuis casa, navio, terra./ Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,/ em voz mansa, te golpearam./ Nunca, nunca cicatrizam./ Mas, e o humor?
A injustiça não se resolve./ À sombra do mundo errado/ murmuraste um protesto tímido./ Mas virão outros.
Tudo somado, devias/ precipitar-te — de vez — nas águas./ Estás nu na areia, no vento…/ Dorme, filho.