Women and Psychoanalysis Committee (COWAP) – IPA
O Comitê de Mulheres e Psicanálise da IPA foi criado em 1998 na gestão de Otto Kernberg. Assim, a IPA vincula-se à tendência mundial de analisar a condição das mulheres e considerar a dimensão de gênero, a partir de sua contribuição específica, o saber psicanalítico. Quando de sua criação, o Comitê assumiu o objetivo de enfocar estudos relativos a mulheres. No entanto, logo em 2001, mudou sua perspectiva passando a considerar a questão de gênero – relações entre mulheres e homens, feminilidade/masculinidade -, em sintonia com a maioria dos grupos, conservando, no entanto, a sua nomeação inicial.
Aqui podemos destacar o desenvolvimento referente à delimitação dos estudos e perspectivas de análise: os estudos de mulheres foram amplamente realizados nos anos 1960/80, enquanto os estudos de gênero foram desenvolvidos a partir dos anos 1980. Esta revisão/expansão tem a ver com a compreensão de que mulheres/homens e feminino/masculino são construções sócio-culturais e relacionais e, portanto, demandam uma categoria comum para investigação, no caso, a dimensão de gênero, enquanto representação social, estrutura de poder e questão de identidade dos sujeitos. Os estudos de gênero buscam uma interseccionalidade com outras categorias analíticas, como etário/geracional, raça/etnia, sexualidade/orientação sexual, classe social. Paralelamente, outra discussão se afirma e se expande a partir dos anos 1980/90 com os estudos queers; estes apontam uma transitividade de gênero e sexual, questionando os binarismos e a ideia de identidades fixas que tenderiam a excluir determinados corpos, desejos e práticas.
IPA e COWAP-IPA
Pela primeira vez na história da IPA foi eleita uma psicanalista, em 2015, para presidir a Instituição na próxima gestão – Virginia Ungar, da Associação Psicanalítica de Buenos Aires. A IPA tem dezenas de comitês e o COWAP é considerado um dos comitês mais ativos. Coloca-se como um espaço de reflexão teórica e clínica e de intercâmbio com disciplinas e organizações; visa produzir pesquisa psicanalítica sobre as relações entre as categorias de sexualidade e de gênero e suas implicações para a psicanálise, reconhecendo as influências culturais e históricas na construção das teorias psicanalíticas relativas a mulheres e homens e a necessidade de suas revisões e expansões na contemporaneidade.
O COWAP-IPA tem como estrutura básica uma coordenação geral e coordenações regionais. A atual gestão conta com a seguinte composição: Overall Chair – Gertraud Schlesinger-Kipp; Co-Chair para Europa – Ingrid Moeslein-Teising; Co-Chair para América Latina – Cândida Sé Holovko; Co-Chair para América do Norte – Cecile Bassen. Cada Sociedade de Psicanálise indica sua representação no Comitê (liaisons). No site da IPA podem ser encontradas informações sobre o COWAP (Committees) e suas Newsletters (IPA/Newsletter/COWAP Newsletter).
Outra frente de trabalho foi a criação da Psychoanalysis & Women Series (IPA), que já conta com a publicação de diversos livros e coletâneas. Paralelamente, o COWAP aproveita os encontros congressuais para promover discussões e fortalecer os vínculos entre psicanalistas. No 49º Congresso Internacional de Psicanálise, ocorrido em Boston -USA, em julho de 2015, o COWAP realizou dois painéis e foram lançados três novos livros da Série (pela Karnac Books e Editorial Lumen): “Homosexualities: Psychogenesis, Polymorphism and Countertransference”, por Elda Abrevaya e Frances Thomson-Salo (orgs.); “Myths of Mighty Women: Their Application in Psychoanalytic Psychotherapy”, por Arlene Kramer Richards e Lucille Spira (orgs.); e “Medea: Myth and Unconscious Fantasy”, por Esa Roos (org.).
COWAP – América Latina e Brasil
O COWAP na América Latina tem demonstrado grande vitalidade. A partir de 1999 iniciou suas conferências, nomeadas de Diálogos Latinoamericanos Intergeneracionales entre Hombres y Mujeres, os quais ganham temáticas específicas, como: fases na vida, masculino-feminino, relações de gênero, violência sexual, corpo, conjugalidades, parentalidades. Entre as publicações do grupo, destacamos “Psicoanálisis y relaciones de gênero”, de Teresa Lartigue e Mariam Alizade (orgs.), como resultado do 4º Diálogo, realizado no México, em 2002; e, também, “Género y Psicoanálisis – Contribuiciones Contemporáneas”, de Teresa Lartigue e Olga Varela (orgs.), editado pela Asociación Psicoanalítica de Guadalajara, em 2009.
O XXXI Congresso Latinoamericano de Psicanálise, a ser realizado em setembro de 2016, em Cartagena das Índias – Colômbia, tem como tema “Corpo” (na teoria, na clínica, na cultura) e, com certeza, discutirá gênero e sexualidade, a exemplo do Congresso anterior, ocorrido em Buenos Aires, em 2014, que teve como um de seus eixos temáticos “psicossexualidades/gênero/neossexualidades”. Durante este Congresso realizou-se o 11º Diálogo Latinoamericano Intergeneracional.
Quanto ao XXV Congresso Brasileiro de Psicanálise, realizado em outubro/2015, em São Paulo, o COWAP-Brasil participou com uma mesa redonda “Comunidade COWAP” e Teresa Rocha Leite Haudenschild, representante do Comitê no Brasil, integrou a mesa redonda sobre Identidade de Gênero.
Destacam-se as publicações da Revista Brasileira de Psicanálise, da Febrapsi, com as temáticas “Sexualidade e Gênero” (2014,v.48,n.4) e Feminino (2008,v.42,n.4).
Perspectivas e Desafios
A contemporaneidade nos desafia a uma reflexão sobre gênero e sexualidade em termos da antiga discussão sobre natureza x cultura. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia, bem como o fortalecimento da autodeterminação relativa dos sujeitos (pois condicionados social e psiquicamente), coloca-nos frente à intervenção/reconstrução de corpos; à possibilidade de uma transitividade de gênero e de sexualidade, bem como de maiores rompimentos com as tradições. A discussão sobre a orientação sexual dos sujeitos (homo/hetero/bi/pan/assexual) conjuga-se com a discussão sobre gênero (feminino, masculino, transexual, travesti, intersexo, cisgênero, transgênero, genderqueer, bigênero, gênero fluido) produzindo conflitos e politizações, a exemplo das reivindicações de: nome social; realização de tratamentos hormonais e/ou cirurgias de redesignação sexual; reconhecimento da diversidade de conjugalidades e de famílias (bi/mono/hetero/homoparentalidade). Estas situações são cada vez mais auto-referidas e, portanto, desnaturalizadas. Ambas as dimensões, gênero e sexualidade, para além de espaços de exercício de subjetividade, podem ser transformadas em espaços de desigualdade social e de comprometimento da integridade física e mental dos sujeitos.
Nessa medida, as/os psicanalistas têm um importante papel no sentido de aprofundar este debate a partir de suas investigações teóricas e experiências clínicas, levando em conta as contribuições de outras disciplinas. Espero que possamos realizar férteis discussões sobre psicanálise, gênero e sexualidade na Sociedade de Psicanálise de Brasília.
Almira Correia de Caldas Rodrigues é psicanalista e membro associado da Sociedade de Psicanálise de Brasília. Atualmente representa a SPBsb na COWAP-IPA. É socióloga e doutora em sociologia pela UnB.
Publicado no Associação Livre – Jornal da Sociedade de Psicanálise de Brasília – SPBsb – A Era da Desorientação, Ano III, Edição VI, dezembro de 2015.