Psicanálise da Vida Cotidiana: Gustave Flaubert, o esteta da palavra – 25/05/16

 

“Sou um homem-pena. Sinto por meio dela, por causa dela, em relação a ela e muito mais com ela”. Carta a Louise Colet, 1º. De fevereiro de 1852.

Gustave Flaubert(1821-1880), francês, personalidade inquieta, um tanto quanto depressiva, mas que sempre soube retirar dos seus estados de sofrimento, a Arte. A obra artística, seja ela qual for é sempre uma forma pela qual, algumas poucas pessoas têm a capacidade de sublimar seus conflitos interiores e transformar em geniais contribuições ao estudo e a pesquisa das vicissitudes do ser humano. Flaubert foi uma dessas pessoas, um gênio, e como tal uma personalidade que continua dando ao mundo uma contribuição literária e social. Um gênio é sempre alguém que, a partir dos seus conflitos neuróticos e de estados passageiros de “psicose sana” pode , descendo aos infernos humanos, contribuir com uma experiência criativa para o desenvolvimento da humanidade. Todos os gênios foram “loucos”, mas de uma “loucura sana”, aquela que apreende o indizível, o inaudível e o impensável para com isso criar uma obra propiciadora de insight da natureza humana, tanto individual quanto grupal. 
Flaubert nasce em Rouen, 12 de dezembro de 1821 e falece em Croisset no dia 8 de maio de 1880. Prosador indispensável à literatura universal, tratando com profundidade suas análises psicológicas, senso de realidade e uma capacidade peculiar em observar o comportamento social. Em “Novembro” aos vinte anos de idade, Gustave publica uma obra precisosa: seu último estertor no estilo romântico através de uma prosa poética escrita já, dentro das suas exigências internas – a palavra certa, a capacidade de descrever os fatos de uma maneira rigorosamente verdadeira aos sentimentos e fatos. Lembra aqui Graciliano Ramos que dizia que a palavra era para dizer e não para brilhar nem enfeitar. Novembro é um divisor, pois a partir daí Flaubert vê a vida como realista e enfrenta a realidade da época( a burguesia francesa e européia) com espírito crítico, cortante e irônico. Vai aparecer aí outra obra que fica famosa – Madame Bovary – seu romance maior. São cinco anos de trabalhos exaustivo, com todos os sofrimentos de um escritor que sempre procurou a “a palavra certa”. Sofre muito com isso, e podemos observar e ver as angústias de Flaubert através da linda e longa correspondência com sua amante, Louise Colet. O livro é uma expressão de suas críticas a sua própria classe – a burguesia francesa. Ridiculariza as condições sociais, escandaliza a sociedade parisiense, a ponto de ser processado e absolvido pela Sexta Corte Correcional do Tribunal de Sena, em 7 de fevereiro de 1857. Mas “Bovary” prossegue, fica famosa e meio às fofocas sobre quem é Mme. Bovary, Flaubert diz a frase que ficou famosa – “Mme. Bovary c’est moi”.
Dois livros que dão uma noção bastante ampla sobre a obra de Flaubert, sua pessoa e seu estilo são: “A Orgia Perpétua – Flaubert e Madame Bovary”, de Mario Vargas Llosa e uma obra terminal de Jean-Paul-Sartre – “O Idiota da Família – Gustave Flaubert de 1921 a 1857. Em Vargas Llosa vemos como nosso latino escritor se apaixona pelo livro Mme. Bovary e aí vai pesquisar Flaubert como pessoa, como escritor e como pessoa. Diz Vargas: “Um livro se transforma em parte da vida de uma pessoa por uma porção de razões que tem a ver ao mesmo tempo com o livro e a pessoa.Gostaria de averiguar quais são, no meu caso, algumas dessas razões: por que Madame Bovary remexeu camadas tão profundas do meu ser, por que me deu o que outras histórias não conseguiram me dar.” Vargas Llosa dizia que não abria mão de duas coisas na vida: Primeiro Cuba ( que começava já abri mão ) e Madame Bovary. Leu o romance umas seis vezes e desde então o visita vez por outra. Fica claro em seu livro que Vargas a partir daí tem em Flaubert um mestre, tanto no estilo quanto da feitura metodológica do romance.
Jean-Paul-Sartre empreende uma jornada longa de praticamente 3 mil páginas sobre a pessoa, a biografia, a contextualização temporal do autor e as questões suscitadas no sentido filosófico, linguístico e estilístico. O “Idiota da Família” foi um menino que sofria da dificuldade de escrever e ler, mas que curiosamente já aos 10 anos escrevia contos e peças teatrais. “Gostaria que meu estudo fosse lido como um romance, porque é a história de um aprendizado que leva ao fracasso de toda uma vida. Também gostaria que fosse lido como verdade, como um romance verídico”, afirmou Sartre ao jornal Le Monde em 1971. Várias vezes em seu livro Sartre mostra o sofrimento de Flaubert com relação a ser poeta ou artista. Cita Flaubert: “Sendo poeta, o poema escrito, vago de suas exaltações, tinha apenas importância secundária, era uma “repercussão”. Sendo artista, só a obra conta: “operário da arte” – como gostará de se denominar mais tarde – tornar-se um trabalhador cujos esforços visam a transformar um material, a linguagem, para produzir um objeto. Caberá dizer que ele se objetiva neste? Sim e não.”
Deixo o leitor, caso seja um aficcionado de Flaubert ou um interessado em conhecê-lo, com um conselho: além dos seus romances, para conhecer as entranhas desse homem, suas angústias ao escrever, seu ódio e melancolia e amores é preciso ler suas inumeráveis Correspondências: a Louise Collet, Max de Camp, Marie-Sophie Leroyer, George Sand, Turguéniev, Guy de Maupassant e outros não menos importantes escritores e críticos. “Correspondance”, escolha e apresentação de Bernard Masson, da editora Gallimard, Paris, contém essas cartas, cartas que são objetos de estudo autobiográfico, estilístico e de como sofria e sentia prazer o escritor na travessia de sua vida procurando a “palavra certa”.
“Mede-se uma alma pela dimensão de seu desejo, assim como avaliamos previamente as catedrais pela altura de suas torres”. Carta a Louise Colet, na madrugada de 22 de maio de 1853.

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