Alter – 2009/1 – O analista e a clínica hoje

 

SUMÁRIO & RESUMOS

 

ARTIGOS

 

Atualização do conceito de trauma na clínica analítica – Norberto Calos Marcucco

O autor se propõe, neste trabalho, a comunicar algumas reflexões surgidas a partir de sua prática clínica, com as quais procura contribuir para a revisão e atualização do conceito de trauma e, fundamentalmente, da clínica do traumático. Estabelece, para isso, diferentes relações a respeito do traumático: o trauma no sentido representacional; o trauma e o problema identificatório (que desenvolve por meio do conceito de identificação primária passiva ou marca do desejo do outro sobre o eu); e o aspecto libidinal do trauma (as problemáticas do amor e do desamor); o trauma e a realidade exterior, a compulsão à repetição e a criação. No final do artigo, o autor alude à necessidade de que a psicanálise continue elaborando e desenvolvendo a teoria e a clínica do trauma no contexto atual, visando a que, em sua abordagem clínica, o trauma não arrase com a pulsão de vida, conduzindo às expressões da pulsão de morte no que denominamos “circuito curto da pulsão”.

O analista, seu paciente e a psicanálise contemporânea: considerações sobre indução mútua, enactment e “não-sonho-a-dois” – Roosevelt Moisés Smeke Cassorla

A visão do processo analítico como algo intersubjetivo ocorrendo entre os membros da dupla analítica vem fertilizando a psicanálise contemporânea. Neste trabalho são discutidos fatores envolvidos nesse processo, em particular a indução mútua entre paciente e analista, fato já estudado de forma pioneira por psicanalistas da América Latina. Obstáculos ao processo analítico, inicialmente descritos como “baluartes”, passam a ser estudados e compreendidos a partir de vários referenciais teóricos. O conceito de enactment, referido a conluio obstrutivo da dupla, passa a ser reconhecido pela maioria dos psicanalistas. A partir de material clínico demonstra-se que o enactment pode ser considerado um “não-sonho-a-dois”, em que “sonho” remete à teoria bioniana sobre o pensamento. Propõe-se uma classificação dos não-sonhos em psicóticos, traumáticos e produto do vazio representacional e enfatiza-se a importância de se considerar a pessoa real do analista fator importante influenciando o processo analítico. Demonstra-se que não-sonhos-a-dois traumáticos podem envolver, também, elaboração implícita do trauma.

O que é psicanálise? Dois Binômios – Maria Inês Neuenschwander Escosteguy Carneiro

O saber psicanalítico, no cenário que se convencionou chamar de “contemporaneidade”, vem sofrendo, segundo a autora, distorções importantes que paulatinamente descaracterizam a prática clínica, em nome de mudanças aparentemente necessárias diante da demanda atual. A confusão entre teoria e prática, o primeiro binômio importante da psicanálise, tende a reduzi-la a um mero exercício especulativo muitas vezes tão abrangente, que pode beirar à permissividade. O segundo binômio importante, segundo a autora, diz respeito à formação nas sociedades e às análises pessoais. Em relação a esse item, a autora expõe suas conclusões e experiência como analista didata, em contato constante com candidatos em várias situações. O presente texto reúne e estende ideias contidas em publicações anteriores, acrescido de vinheta clínica ilustrativa de como a autora entende e pratica a psicanálise.

Achados clínicos – Maria Cristina Borja Gondim, Salvador

Pretendo realizar algumas reflexões sobre dois atendimentos psicanalíticos interrompidos bem no início dos trabalhos. Chamaram minha atenção as semelhanças entre os pacientes: quanto à vivência da experiência terapêutica prévia, quanto à minha visão sobre a dinâmica psíquica, quanto ao desenvolvimento dos encontros na sessão e quanto ao desfecho. Face a essas experiências, perguntei-me se outros psicanalistas também estariam lidando, em suas práticas, com pessoas que apresentavam essas características. Se a resposta fosse afirmativa, como estariam compreendendo essa dinâmica e qual a abordagem técnica que recomendariam? Será que os colegas também estariam com dúvidas quanto às interpretações simbólicas e mesmos as transfero-contratransferenciais?
Para finalizar, e a título de início de conversa, construo algumas considerações teóricas sobre essas vivências priorizando as formulações de Peter Fonagy sobre pseudo-mentalização.

A presença do analista como embriologista das emoções (Por uma metapsicologia da clínica) – Regina Helena Manhães Neves

O analista como pessoa tem na sua personalidade um instrumento importante no percurso de uma análise. É com a possibilidade de considerar suas rêveries, que ele ajuda a transformar o sensorial em.embriões psíquicos, no seu paciente e na dupla.
A autora põe em evidencia, neste artigo, a presença viva do analista (embriologista) além de sua função analítica, para se aproximar de áreas primárias sem representações.
Além dos autores clássicos, apóia-se teoricamente em analistas contemporâneos, como Thomas Ogden, casal Botella, Marucco, Sapienza, Peña. Dá ênfase aos recursos que o analista necessita para aproximar-se de zonas primárias, permitindo-se usá-las como pistas. Estas vão desde ações somáticas ou musculares, estados alucinatórios fugazes, rêveries, primariedades que podem fornecer algum alfabeto, para que o analista construa um diálogo interno que lhe permita comunicar sua interpretação.
A autora sugere, baseada nessas proposições contemporâneas (fantasias metapsicológicas), a necessidade de uma metapsicologia da clínica, como uma bússola a nos orientar em mares profundos, assim como nos limites da análise.

Sobre a condição/compulsão bissexual no adulto: alegoria mortífera ou exercício cínico da homossexualidade? – Roberto Barberena Graña

Este artigo foi motivado pela necessidade de uma reflexão crítica que coloque em seu centro o discurso bissexual contemporâneo, essa nova condição discursiva pansexualista cujo ufanismo denuncia imediatamente sua precariedade. A conduta bissexual costuma estar associada a transtornos severos da personalidade e é produto de um uso massivo da defesa maníaca, sustentado pela qual o bissexual pretende apresentar-se ao Outro como o sujeito privilegiado de um gozo ilimitado, total. Embora na maior parte do tempo o bissexual empreenda uma dura luta contra a homossexualidade – cuja forte tendência ele reconhece a contragosto apenas quando consegue submeter-se ao tratamento psicanalítico –, o mais comum é que se converta em objeto da violência e ponha em risco sua existência física e psíquica no próprio ato de proclamar-se superior.

As duas análises de Mr. G., aliás, Mr. Harry Guntrip – Paulo Marchon

O autor reitera a importância fundamental da mãe para o desenvolvimento da criança. Retoma o artigo de Guntrip “My experience of analysis with Fairbairn and Winnicott”. Detalha a descrição de Guntrip sobre maus tratos maternos. Acrescenta também dados de Padel e Markillie sobre o mesmo artigo.
Guntrip viveu obcecado por desfazer a amnésia que sofreu em relação ao fato de, aos três anos, “ter visto” seu irmão Percy morto, nos braços da mãe. Soube disso por esta e permaneceu a vida inteira numa “irada” solicitação à mãe por respostas. A mãe fez uma cama especial (tent-bed) em sua cozinha para, desta forma, poder ver o filho do próprio trabalho. Harry apresentava dores diversas e febres terríveis que desapareciam de um dia para o outro. Entre cinco e sete anos, a mãe batia-lhe, dando bengaladas.
Winnicott, na análise, funcionou fundamentalmente como mãe, na maneira de ver de Guntrip. Ele mostrou a possibilidade da existência de uma mãe boa quando Guntrip era criança. Mas Guntrip afastou da mente essa interpretação, mantendo-se agarrado à ideia da mãe má. Guntrip conta que Winnicott lhe disse: “fazer sua análise é quase a coisa mais reasseguradora que me acontece” e complementou: “o rapaz que vem antes de você me faz sentir que eu não sou bom”.
O autor acentua desejos de Guntrip em ser o first baby, o primeiro filho, critica Winnicott quando este elogia Guntrip em detrimento do outro paciente, que, na sua fantasia, representaria seu irmão Percy, cuja imagem Guntrip tentou, durante toda a existência, restaurar internamente. Sendo assim, a interpretação de Winnicott exprimiria uma contradição básica. O autor mostra que Fairbairn e Winnicott foram inseguros e contraditórios no caso de Guntrip.
O autor critica a posição de alguns psicanalistas que, na análise, entram em conluio com os pacientes contra os pais e, assim, transformam a mesma em um processo no qual a responsabilidade de cada um em relação à sua própria vida é esvaziada. Não se pode desfazer um passado de bengaladas, mas se pode restaurar a mãe que fez a cama especial (tent-bed) e conjugar os dois aspectos. O autor acentua a importância da posição teórica responsável, consciente do analista para ajudar os pacientes no sentido de, não obstante o que eles sofreram na vida e, até pelo que sofreram, terem o direito de lutar por uma vida melhor. Viver se vingando dos pais nos cônjuges, nos filhos, nos próprios pais idosos, ou em quem quer que seja, é um meio de eternizarmos os nossos conflitos da infância e não sairmos deles.

Psicanálise, Arte & Literatura – Jansy Berndt de Souza Mello

Reunindo temas para uma mesa-redonda, organizada em 2008 pela SPB e outras instituições brasilienses, como primeira questão propus o debate sobre como se avaliar a utilidade da psicanálise e da arte, seja sob a perspectiva do poeta Paul Valéry, da “ars gratia artis” – defendida por Oscar Wilde, ou na visada do crítico brasileiro Teixeira Coelho, então contrastadas com a proposta de Wilfred Bion segundo a qual “a psicanálise serve para que se possa fazer cada vez mais psicanálise”. Outros temas selecionados discorreram sobre a dependência entre a psicanálise e linguagem, os recursos para representar o inconsciente como disponibilizados pela arte; a ligação entre psicanálise, sintoma, angústia e sua expressão na clínica e na arte; a busca do belo e do verdadeiro em confronto com os compromissos do indivíduo com o grupo; a quebra da crença nos valores universais e os limites da psicanálise enquanto ciência. O presente texto é apenas um esboço sobre essas idéias, dados os parâmetros dos debates em uma mesa-redonda.

 

 

FORMAÇÃO


Análise didática: necessidade e vicissitudes. Alguns pontos para debate – José Vieira Nepomuceno Filho

O autor apresenta algumas pontos sobre a Análise Didática (AD), procurando desvincular seus aspectos formais daquilo que pode ser considerado o essencial dessa experiência, como de qualquer análise, ou seja, a dimensão transferencial e uma prática considerada como “suficientemente boa”, mas tendo presente, igualmente, a perspectiva institucional. Argumenta-se, em conseqüência, que os efetivos problemas da AD são provocados pela forma pela qual ela é, eventualmente, exercida e não pelas suas próprias características. Particular ênfase é dada ao que é a posição do candidato no contexto sob investigação. Determinadas idéias, defendidas por outros estudiosos, estão bastante presentes nestas reflexões, mesmo que em uma forma geral e não diretamente explicitadas, pois são bastante conhecidas, fazendo parte do que é visto como um patrimônio comum e ligando-se a situações colocadas pela maioria dos interessados. Situações, considera-se, que têm ocorrência universal, mesmo que em determinados contextos sejam mais evidentes. Assim, o que é apresentado é um exercício livre em torno do tema da AD, embora se espere que ele seja consequente, compreensível e compromissado com referências compartilháveis. Ou seja, embora o método utilizado para a feitura do trabalho não seja, formalmente, o mais rigoroso, tem-se como objetivo chegar, a partir de casos particulares, a referências gerais, que tenham, igualmente, uma aplicação geral, pelo menos, na maioria dos casos. Em síntese, espera-se que o trabalho seja uma tentativa consistente, do ponto de vista científico, na abordagem do tema, contribuindo para o debate sobre aspectos considerados importantes sobre o mesmo.

O psicanalista na contemporaneidade – Maria Silvia Regadas de Moraes Valladares

De quem somos filhos? – Tito Nícias Teixeira da Silva, Brasília

 

 

ENTREVISTAS

Entrevista com o Prof. Franco Borgogno – Conversação sobre The Vancouver Internview
Entrevista feita por Nelly Cappelli

Entrevista com Cláudio Laks Eizirik (Presidente da IPA (2005-2009) e Membro efetivo e analista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre.
Entrevista realizada durante o Congresso Brasileiro de Psicanálise no Rio de Janeiro, em 30/05/09.
Entrevistadores: Ambrozina Coragem Saad, Cíntia Xavier de Albuquerque, Luciano Wagner Guimarães Lírio, Maria Silvia Valladares, Mirian Elisabeth Bender Ritter de Gregorio, Silvia Helena Dutra de Carvalho Heimburger e Teresa Cristina de Moura Peixoto.

LEITURAS

Orientações para uma psicanálise contemporânea
Autor: André Green
Resenhado por Selma de Oliveira Porto

O esquecimento do pai
Organizadores: Catherine Chabert e Jacques André
Resenhado por Maria Nilza Mendes Campos

Reflexões sobre o filme “Entre os muros da escola”
Resenhado por Teresa Cristina de Moura Peixoto

 

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