“Ontem o céu amanheceu tão mais lindo. Lembrem-se, a morte não é o fim, é apenas uma passagem para o verdadeiro mundo, o mundo espiritual. É o recomeço de outra etapa na qual os entes queridos continuam existindo e ligados aos que ficaram pelo laço da afetividade…”
Juliana Costa Vieira
Hoje escrevo uma experiência pessoal. Uma má formação congênita, de artérias e veias se rompeu bruscamente quando um querido sobrinho meu, Carlos Henrique, 48 anos vividos, dirigia seu veículo em direção à Maceió. Médico e cirurgião que era, entra em coma, é levado por uma ambulância. Oitenta por cento de área afetada, morte cerebral. Ato contínuo, encaminhado para São Paulo, não resistiu e faleceu.
A morte chega de um modo precoce, mas a vida não tem data para acabar, o humano em toda sua vulnerabilidade anuncia, sem saber, sua mortalidade, quando nasce. Nascer e morrer são oposto, mas não excludentes. Numa bela e dolorosa carta que Sêneca, o filósofo, escreve à Marta que havia perdido seu filho, ele exclama de uma maneira crua e verdadeira — “A morte de seu filho, Marta, foi anunciada quando você o pariu”.
Tomado de surpresa, no primeiro momento é tudo estúpido, contra a natureza, contra tudo e contra todos. Cito uma passagem de Jean-Paul Sartre, contida no início do livro da psicanalista francesa –Élisabeth Roudinesco – Sigmund Freud, en son temps et dans le nôtre – já traduzido para o português: “O segredo de um homem, não é seu Complexo de Édipo, é o limite mesmo da sua liberdade, é seu poder de resistência aos suplícios e a morte”.
A vida é um tempo, tempo transitório, nunca eterno, sempre mostrado através dos seus atalhos, alegrias e riscos, nascimentos e mortes, ganhos e perdas, realidades e ilusões. Mas na vida existe um momento que é a última estação, é a parada e a interceptação do viver, ele mesmo. Como tolerar viver, viver bem, sabendo da condição da finitude humana? Vivemos sem muita consciência da nossa mortalidade, o que é importante! Seria um eterno suplício se essa consciência fosse diária. É verdade que, quando se perde alguém muito próximo, ela volta, sabemos que morreremos também. O momento do luto é fundamental para a elaboração da perda. No início tudo é revolta, é ódio à perda, é um ferimento profundo em nosso narcisismo. Perde-se um pedaço de nós, “pedaço de mim…uma parte amputada de mim”. Perde-se, é verdade! Mas, se amor existir por aquele que se foi daqui, não se perde, senão fisicamente. Dentro de nós está a pessoa amada, fazendo parte do nosso patrimônio afetivo, enriquecido da experiência vivida. Drummond um dia ao se sentir só, deu-se conta que tinha várias pessoas queridas dentro dele, e disse algo assim: a partir de agora não me sinto mais só, abandonado, pois em meu íntimo carrego todos os amados; os que ainda estão aqui e aqueles que já se foram. Daí leitor, uma possibilidade de minorar a dor da perda –Sentir e ter saudade – Os que não podem ter saudade, carregam dentro de si um cemitério de mortos e, mortos existirão, ainda que vivos estejam. A saudade é a presença na ausência; o ódio à perda é o caminho que leva à Depressão, e não à capacidade de fazer o Luto. Fazer o luto é usar das funções mentais, psíquicas, uma delas é a capacidade de sofrer a perda, com dor, com angústia, às vezes com ódio, mas sem permitir que esse ódio possa se voltar contra a pessoa enlutada, Caso predominem a revolta, o ódio, a raiva, o resultado é entrar em depressão com sintomas de ódio a si mesmo porque perdeu o ser amado, é ficar num estado de autocomiseração, de lamúrias, queixas, e culpando tudo e todos por sua perda. Um luto tem começo, meio e fim; uma depressão é perpetuar na própria pessoa, sua morte psíquica, na vida. Não se morre com o morto!
Deixo ao leitor uma especial homenagem às mães e pais que perderam seus filhos, um fenômeno antinatural, mas que existe.
Manuel Bandeira, nosso poeta imortal, sempre teve a consciência de sua mortalidade, face à tuberculose, doença que o acompanhou durante toda sua longa vida. Da sua intimidade com a questão da morte, Bandeira, com sua sensibilidade de apreender o sofrimento humano, escreveu um lindo, doloroso, mas magnífico poema que consola as mães que perderam seus filhos. Fica o poema como um ato de generosidade humana:
“Acalanto para as mães que perderam seu menino”
“Dorme, dorme, dorme…
Quero te alisar a testa
Não é Malatesta,
Nem Pantagruel,
—–O poeta enorme.
Queria te alisar a testa
É aquele que vive
Sempre adolescente
Nos oásis mais frescos
De tua lembrança
Dorme, ele te nina,
Te nina, te conta
—Sabes como é —,
Te conta a experiência
Do vazio passado
Das várias idades.
Te oferece a aurora
Do primeiro seio.
Te oferece o esmalte
Do primeiro dente.
A dor passará
Como antigamente
Quando ele chegava.
Dorme… Ele te ama
Como se hoje fosses
A sua menina”.