Psicanálise da vida cotidiana – Amar-desamar – 01/02/17

O amar talvez se inicie da própria força de vida que albergamos dentro do nosso ser, desde o início. Dar vida a alguém, geralmente é a expressão máxima da criatividade afetiva; também existem vidas que nascem do acaso, do descuido, do “ato falho” e até da violência de um estupro. Mas o amor ou o amar é sempre uma expectativa do desejo em direção ao encontro do Outro Acolhedor. Nascemos na fragilidade, chegamos nessa vida na carência de um ser vulnerável demais, procurando alguém que nos acolha, e que nos faça parceira nessa estrada repleta de veredas previsíveis e imprevisíveis.

O escritor, romancista e historiador francês André Maurois, escreveu em seu belo livro —-“Em Busca de Marcel Proust”, editora Siciliano, tradução de Leonardo Fróes, 1995, capítulo VII – “Em busca do tempo perdido(II):“as paixões do amor”, que: “No começo da vida, em toda alma adolescente, há o desejo ou a angústia, forças que ainda não se aplicam a um objeto determinado”. O objeto determinado é o objeto da nossa fantasia, um ser alucinado e idealizado, que cumprirá ou não os nossos anseios.

Penso que passamos toda a nossa existência em busca do ser idealizado; o que faz a procura incessante e também o que traz dores insuportáveis quando se constata a alucinação. O próprio Proust escreveu, citado no livro acima: “Cada vez que eu escrevia que Albertine era bonita, riscava e reescrevia que eu tinha vontade de beijar Albertine”. —-“Nada é mais diferente do amor que a ideia que dele nos fazemos”. Enfim, amar se busca, o amado se procura, ainda que saibamos que não há garantia da permanência desse amor e da correspondência do amado. A vida é um mistério, às vezes terrível e às vezes sublime, mas é um mistério de incertezas e dúvidas. O amor absoluto, eterno, é coisa da arrogância e da prepotência das personalidades pretensiosas e narcísicas por excelência.

O amor é o irmão do ódio, o objeto do nosso amor é o mesmo objeto da nossa decepção. É óbvio que quando predomina o amor, a relação convive com a possibilidade de durar no tempo; quando o ódio é o regente da dupla, entramos no mar revolto e turbulento do sadomasoquismo. Santo Agostinho, em suas Confissões, tergiversando sobre o que ele chamou de “O peso do amor”, chega a dizer que amor é o meu peso.

Entende-se no texto, que esse peso é imprescindível é uma tarefa que leva o homem à “Jerusalém celeste”. Claro, ninguém ama com perspectiva de uma viagem desastrosa, mas com o ímpeto, o desejo, o sentimento e a ideia que esse amor, essa dupla amante alcançará a felicidade. O que alimenta e promove constante empenho na vida é a crença(?) necessária, que a Beatriz de Dante é algo alcançável, mesmo que essa verdade seja relativa. Amar, desamar, ter desejo de posse, ciúme, inveja, pavor de perder o amado ou amada, sofrer de amor, viver a terrível dor da morte de quem se ama, tudo isso faz parte da sinfonia amorosa que duas pessoas podem compor.

É obrigatório também afirmar que essa sinfonia também mostra lindo trecho, como o encontrado na escrita de Guimarães Rosa pelas palavras de Riobaldo no “Grande Sertão: Veredas”:”Diadorim me pôs o rastro dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza. Sei como sei. Som como os sapos sorumbavam. Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria a boca; mas era um delém que me tirava para ele —– o irremediável extenso da vida… Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de impapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre”. Essa dança dos contrários, da alegria e da dor, da ausência e da presença é dança do amar-desamar. É necessário ter competência para criar uma parceria afetiva, dupla que se sobrevive nas diferenças e apesar delas.

Deixo ao leitor uma lindíssima carta de amor de Henry Miller para Anaís Nin, escrita em 1932 e reproduzida por Daniel Bullen. Daniel Bullen cresceu na periferia da cidade de Nova York e obteve seu Ph.D. em Literatura Americana antes de escrever “Amores Modernos”, seu primeiro livro. Mora em Amherts, Massachusetts. Esse livro merece ser lido e estudado por mentes inquietas.

“Para Meaghan, com amor e admiração

Eu sei que seus olhos estão agora bem abertos. Você nunca mais vai acreditar em certas coisas, nunca mais vai repetir certos gestos e nunca mais vai ter que passar por certas mágoas e apreensões. Uma certa dose inofensiva de fervor imoral em sua ternura e crueldade. Sem remorso nem vingança; sem mágoa nem culpa. Vivendo simplesmente, sem nada para salvá-la do abismo senão uma grande esperança, uma fé e uma alegria extraída da experiência que poderá repetir sempre que quiser”. (De Henry Miller para Anaís Nin, 1932)

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