“Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto, a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver, sem alma, no regaço do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora, na revelação frontal do dia, a consciência do limite, o nervo exposto dos problemas.” Fragmentos de um poema –“Nascer de Novo” — de Carlos Drummond de Andrade, em seu livro —“A Paixão Medida”, Cia. Das Letras.
Relendo o poema do Itabirano, ocorre-me pensar sobre nascimento sob vários vértices. Logo na primeira estrofe do poema, e fico nela para tergiversar, o poeta intui vários aspectos do Nascer além do evento propriamente biológico.
Nascer, nascer de novo, sempre nascendo a cada dia, a cada experiência, meses e anos. A vida só adquire um sentido pleno quando somos capazes de “viver nascendo”. “Na revelação frontal do dia,/ a consciência do limite,/ o nervo exposto dos problemas”: três últimos versos dessa estrofe, versos duros, dolorosos, pois mostram e evidenciam a questão da existência natural do Conflito. Nascer é conflitante, pois nos coloca frente às mudanças, mudanças diárias de adaptação ou não, mas mudanças que vão traçar o caminho do vir-a-ser, se conseguirmos nadar até a praia após o naufrágio. Guimarães Rosa, na palavra de Riobaldo, no Grande Sertão, chega a afirmar que não tinha mais medo de viver e de morrer, e sim, medo de nascer. No nascimento, seja ele qual for, há uma ruptura do status anterior, seguido de uma desorganização natural, e logo um novo arranjo para continuar a viver ou morrer, para continuar ter um tempo de satisfação ou uma “mudança catastrófica” que pode chegar às angústias neuróticas graves e aos estados psicóticos.
Nascer de novo é uma ousadia sana; é uma forma de não usar o já conhecido e antigo como forma de resignação; é dar saltos de qualidade de vida e prosseguir criando, fecundando, gerando novos nascimentos, novos “filhos da vida”.
Na terceira estrofe do mesmo poema, Carlos Drummond enfatiza: “ Eis que um segundo nascimento,/ não adivinhado, sem anúncio,/ resgata o sofrimento do primeiro,/ e o tempo se redoura./ Amor, este o seu nome./ Amor, a descoberta/ de sentido no absurdo de existir./ O real veste nova realidade,/ a linguagem encontra seu motivo/ até mesmo nos lances de silêncio”. E termina seu lindo poema, alertando:” A minha festa,/ o meu nascer poreja a cada instante/ em cada gesto meu que se reduz/ a ser retrato/ espelho,/ semelhança/ de gesto alheio aberto em rosa”.
Amor, capacidade amorosa, disponibilidade afetiva para investir em mais experiências, tudo são formas de continuar a viver e de prosseguir nascendo. Vitalizando a própria existência, o inverso de se “aposentar” na vida, atitude autodestrutiva e depressiva, abortamento de novos nascimentos.
Bartolomeu Campos de Queirós, em seu livro de uma bela prosa poética, de fundo filosófico-existencial —-“Amargo Vermelho”, Ed. CosacNaif, escreveu: “Há que experimentar o prazer para, só depois, bem suportar a dor. Vim ao mundo molhado pelo desenlace. A dor do parto é também a dor de quem nasce. Todo parto decreta um pesaroso abandono. Nascer é afastar-se —- em lágrimas — do paraíso, é condenar-se à liberdade”.
Pois então, querido leitor, nascer é uma ousadia que não pedimos, mas estar sempre nascendo é também outra ousadia e uma coragem, agora, da nossa responsabilidade. Nunca se envelhece quando se estiver criando algo novo; quando não olhamos para o que passou de forma lamentosa, mas com prelúdios de futuros nascimentos. O homem que perpetua o ódio à vida e a sua própria vida; o homem que faz do ódio e raiva a sua eterna depressão, é um homem impedido de renascer, é um homem onde impera seu suicídio na vida sob forma de uma depressão psicótica.
“Amor, a descoberta de sentido/ no absurdo da vida”, essa é uma intuição e um propósito para todos nós, do nosso querido mineiro, Carlos Drummond de Andrade