Psicanálise da vida cotidiana – Observações de passagens – 19/04/17

Quando a águia sobrevoou uma praia cheia de crianças e adultos mortos, após uma fuga imigrante, ela, a doce águia, apenas fez seu voo e respeitou os mortos com compaixão. A mesma Compaixão que falta aos Ditadores do Planeta.

Quando há muito tempo alguém matou J. Lenon, não sabia que estava matando por uma miserável inveja à criatividade. Anos atrás, cheguei a chorar vendo dois bem-te-vis se beijando num ato de amor. E pensar que ato amoroso está se tornando uma prática rara numa humanidade do open-market!

Borges, o injustiçado Borges que como Machado de Assis, não receberam o Prêmio Nobel, poetou vários versos sobre “O Espelho”; Machado também tem um conto sobre o espelho, assim como Guimarães Rosa em suas “Primeiras Estórias”. A riqueza de ensinamento que se retira dos três é a coragem, ousadia para ver a si mesmo, mesmo sabendo que carregamos dentro de nós “vários eus”, aos quais, às vezes temos muito vergonha de tê-los. Nessa sequência de pensamento, Shakespeare criou a Psicanálise: em “Júlio Cesar” ele escreve que um homem só pode ter conhecimento de si mesmo pelos olhos de outro homem. Freud o lia bastante, não por coincidência!

Ontem, emocionado num voo do Nordeste para Brasília, vi uma criança na poltrona da janela dizer: “o céu é lindo, mas não vejo ninguém nele, minha mãe”. A mãe olhou pra mim, fez uma cara de espanto, e falou: o que vou responder meu senhor? Eu retruquei: ele ainda não conhece a mortalidade, não responda nada. O dia em que perdi totalmente o medo de avião, foi quando minha mãe, no leito de morte exclamou:” Não precisa ter mais medo. Toda vez que você voar saiba e olhe que estarei lá no céu, olhando por você. Se o avião cair a gente se encontra”. Desse dia em diante, minha liberdade para viver aumentou em espirais geométricas.

Tenho vivido muitas experiências frustrantes na vida, mas a maior delas foi ao dia em que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal votaram a interdição de uma presidente desse país.

Voto sim pelos meus netos; voto sim pela minha igreja; voto sim pela minha família, voto sim pelo restabelecimento de uma ditadura. A vergonha corria pelas lágrimas de vários brasileiros que assistiam aos seus eleitos mostrando o que existe de mais podre na Política. Esquecem também que os elegeram. 2018 há ainda Congresso? Presidente?

Em Brasília, o primor de uma arquitetura divina, a população convive com dois crimes à Estética: um, o mastro que veste a Bandeira Nacional na Praça dos Três Poderes; outro, o frontispício de entrada do Pontão, na orla do Lago Sul. Provavelmente os arquitetos ganharam uma boa grana e ofereceram uma excelente propina, quem sabe?

Só me resta sonhar em ter vivido nos idos de 1922 em Paris, na Belle époche. Lá, no Hotel Majestic, sob patrocínio do casal Schiff, Sidney e Violet, jantaram Marcel Proust, Picasso, Stravinsky e Diaghilev além de Joyce. Esse belo jantar está descrito no livro de Richard Davenport-Hines, “Uma noite no Majestic”, editado no Brasil pela Record. Talvez o mundo fosse mais feliz e menos esquizomorfo do que o atual. A Literatura e as Artes podem ser uma boa forma de viver a vida, nos alerta Harold Bloom, crítico literário. Ontem eu ouvi várias músicas do Chico Buarque, do Francis Hime e do Geraldo Vandré. É uma pena que a inspiração de todos eles tenha morrido nos tempos atuais. Só a repressão cria a arte de cunho político?

O grande poeta Affonso Romano de Sant’Anna prossegue declamando e sendo declamado em seu poema genial – “Que País é este? Enquanto isso, o Ministério da Cultura financia biografia e shows oferecendo verbas extraordinárias para Claudinha Leite e Ivete Sangalo!

É tempo de Páscoa, de renovação e mudanças. Será que teremos? As mudanças políticas são necessárias para a manutenção da frágil Democracia brasileira.

Machado de Assis, em seu conto, “A Igreja do Diabo” escreve várias metáforas – “A venalidade , disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório”. A prosa de Machado é atualíssima, caro leitor. Vivemos num mundo onde cada dia parece mais com os fiéis da “igreja do diabo”. George D. Painter, um dos mais importantes biógrafo da obra de Marcel Proust, no prólogo do seu livro, lembra uma frase de Keats:”toda a vida humana digna de tal homem não é mais do que uma constante alegoria”. A Recherce du Temps Perdu é a alegoria da vida de Proust. Não se trata de uma obra imaginada, senão da interpretação da realidade, mediante a imaginação. A cada dia penso que ainda estamos no século XVIII/XIX, onde tudo escrito narrava as maledicências e maldades da burguesia e do Estado. Aliás, pensando melhor, ainda estamos no Império, no predomínio do Poder Absoluto, do Racismo e Exploração das classes trabalhadoras.

A Águia quando voou, respeitou a marcha fúnebre dos corpos imigrantes, estirados na beira da praia. Os homens do Poder e das Religiões Fundamentalistas são escassos da amorosidade da Águia!

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