Psicanálise da vida cotidiana – Sextilhas Românticas – 17/05/17

“Ai tantas lembranças boas!

Massaguana de Nabuco!

Muribara de meu país!

Lagoas das Alagoas.

Rios do meu Pernambuco.

Campos de Minas Gerais.” (Manoel Bandeira)

Quando era pequeno tinha um cavalo pequeno, o Bolinha. Manso, bonito, elegante, trotava que era uma maravilha, e me levava às tardes para namorar! As tardes também, na minha cidade natal, era uma festa: eu e vários amigos de infância íamos tomar banho no rio Paraíba, ficamos sabendo tempos depois, que era à tarde que as cercárias transmitiam a esquistossomose, mas não ligávamos, não. À noite, era hora da missa das sete, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. A missa sempre foi um excelente motivo para encontrar a namorada. Teve até um dia, quando era coroinha, que segurei a pátena para que o Pároco lhe desse a comunhão. Aliás, comungar naquela época da minha vida era o que Manoel Bandeira chamou de “apofania”. Sentia-me levitando, completo, cheio, sublime. Que coisa boa quando se tem fé! Outro dia lembrei com umas tantas lágrimas nos olhos, do primeiro dia em que peguei na mão da primeira namorada: suores profusos, medo do que não sabia, espasmos cólicos intestinais, “bateção cardíaca”, tudo para tocar naquela parte do corpo, permitida na época. Os dedos se entrelaçaram, apertados uns nos outros, olhares fortuitos com misto de carinho e acanhamento, mas era namoro, essa assim que começava. Aliás, diga-se de passagem, que começou após ter escrito um acróstico para ela. No mês de janeiro, dia 20, dia de São Sebastião, tinha as famosas cavalhadas. Eu e o Bolinha correndo para colocar a lança na argola. Quem colocasse ganhava um brinde, sempre oferecido por uma menina. Minha cidade natal, Conceição do Paraíba tinha muitas festas e procissões, também tinha muita miséria e pobreza, mas era bela. Depois de algum tempo, não sei quem, talvez algum político de mau gosto trocou o nome por Capela. Que coisa sem graça, Conceição do Paraíba era mais bonito, elegante e romântico. Lá, tinha uma figura folclórica da cidade, o tal de Theobaldo, primeiro ser humano a ter a ideia de colocar um jipe de aluguel. Mentia adoidado! Um dia, na Praça da Escola, onde ele sempre ficava e, no recreio contava piadas para nós, contou uma que até hoje é de sorrir bastante: Aconteceu uma chuvarada grande na região, e uma pessoa quis ir à cidade vizinha, mas as estradas estavam intransitáveis. Ele não deu outra, tirou os pneus do jipe, pois o jipe na linha do trem e levou o sujeito para a cidade de Cajueiro. No momento que escrevo lembro-me da Virgília. Virgília. Segunda a lenda da minha família, era filha de índio. Ela fez parte da nossa criação. Bonita, cabelos longos, longos demais, singela, doce, morena sempre contava “estórias” de ninar com cânticos indígenas. Ajudava minha mãe fazer cuscuz, mas de milho ralado e leite do próprio coco, uma delícia.

Ao meu lado está um dos mais lindos livros de Manuel Bandeira —“Estrela da Vida Inteira –poesia completa”. Fui atrás de um poema que sempre leio, pois me remete pensar no Nordeste. O poema é: “Brisa”. Brisa é coisa que existe pouco no Planalto Central, e brisa casa com Mar, a brisa do mar que balança as folhas dos coqueiros e a saia das meninas que estão na beira da praia. Brisa, essa leveza singela que acalenta a nossa pele e nossa alma, e que faz tanto bem para sentir-se vivo, contente e arejado. O poema de Bandeira diz: “Vamos viver no Nordeste, Anarina./Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha./ Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante./ Aqui faz muito calor./No Nordeste faz calor também./ Mas lá tem brisa: Vamos viver de brisa, Anarina.”

Já é noite, muito tarde da noite, quase de madrugada. A noite é uma só, a cada dia. A noite é fria de maio, é silêncio dos corpos dormindo, é tremores e balbucios dos pesadelos, é um sonho de calma, de paz, onde se realizam desejos proibidos. Acordar também é vida, vida consciente, vida mundana, do trabalho, das obrigações, das alegrias e das tristezas como também dos sustos e das surpresas.

“Paisagens da minha terra,

Onde o rouxinol não canta

Pinhões para o rouxinol!

Frio, nevoeiro da serra

Quando a manhã se levanta

Toda banhada de sol

(ainda versos das Sextilhas)

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