O animal-humano

Num belo e triste poema de Wislawa Szymborska, “Acontecimento”, publicado em seu último livro traduzido no Brasil pela Cia. das Letras, pinço uma estrofe que passo a descrever:
 
 “Súbito uma perturbação na doce imobilidade./ Dois seres que querem viver se lançam numa corrida./ Um antílope em fuga impiedosa/ e atrás dele uma leoa ofegante e faminta./As chances de ambos por um momento são iguais./ O fugitivo tem até certa vantagem./E se não fosse essa raiz/ que repousa da terra,/ se não fosse esse tropeço/ de uma das quatro patinhas,/ se não  fossse a fração de segundo/ na quebra do ritmo,/da qual se aproveita a leoa/  com um grande salto….“
 
Essa metáfora do antílope e a leoa me fazem pensar na condição atual do homem atual, a que chamo de “animal-humano”, para incluir em sua natureza, um aspecto animalesco e outro humanizado. Nunca na vida das espécies se matou tanto os seus semelhantes quanto o próprio homem. Um dos vértices que priorizo é a pulsionalidade, o caráter instintivo, a oralidade sádica ou dito de uma forma moderna, o Vampirismo vigente.
 
O animal não civilizado (a leoa) investe em sua presa por instinto de sobrevivência; o animal-humano deveria investir como forma de um Desejo, desejo que teria tudo para discriminar entre o que em psicanálise chamamos de “oralidade” e “oralidade sádica, destrutiva”. O sadismo oral é um impulso que se dirige aos outros, inicialmente ao seio materno, com o desejo de abocanhar tudo, de esvaziar o conteúdo do seio, de rasgá-lo, triturá-lo no sentido de satisfazer, não a fome natural, mas a voracidade, a gula, a avidez, na fantasia de poder ter tudo, de não faltar nada e de realizar o desejo alucinatório da “completude”. Claro que isso é uma forma desesperada de não suportar e tolerar a limitação humana.
 
Sequestros, assassinatos, estupros e corrupção são meios atuais, nesse nosso Brasil, pelos quais os homens do Poder lidam com seus antílopes (a massa humana de pessoas que pagam seus impostos). Os corruptos a toda hora  denunciados e condenados são as nossas “feras” desvairadas procurando “a fração de segundo na quebra do ritmo, da qual se aproveita a leoa com um grande salto”, diz os versos de Wislawa Szymborska.
 
Humanizar a “animalidade humana” é um dever civilizatório dos Governos, e isso só se consegue atingir  através da Educação, de uma Justiça Ética, de uma Reforma Política voltada para os direitos dos cidadãos e de um Governo genuinamente democrático.
 
Oxalá esse movimento que começou com a “Operação Lava Jato” venha ao encontro do desejo da população, sensibilize  alguns poucos políticos e magistrados, continue a luta de “domesticação da espécie humana” no sentido da ética, do reconhecimento dos direitos básicos, da aplicação das verbas para finalidades sociais e da manutenção da nossa Democracia. Caso contrário, assistiremos a continuação da “Barbárie”.

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