Fobia de contato humano-diálogo

“Iniciei mil vezes o diálogo. Não há jeito./Tenho me fatigado tanto todos os dias/ Vestindo, despindo e arrastando amor./ Infância, sóis e sombras.
Vou dizer coisas terríveis à gente que passa./ Dizer que não é mais possível comunicar-me. (Em todos os lugares do mundo se comprime.)/ Não há mais espaço para sorrir ou bocejar de tédio./ As casas estão cheias./ As mulheres parindo sem cessar,/ Os homens amando sem amar, ah, triste amor despedaçado”
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Versos do poema “Do amor contente e muito descontente”, de Hilda Hilst.

O homem atual está só, abandonado, recluso? Ou estamos assistindo um movimento de medo de amar, pavor de se relacionar e/ou fobia de contato afetivo?

Parece existir na dinâmica das relações afetivas, dois polos: um que se dirije ao “objeto amoroso” e tenta vampirizar, possuir, e uma vez possuído(claro, em fantasia) a relação se transforma numa experiência claustrofóbica.

Ato contínuo, a pessoa rompe atemorizada. A separação bruta, defensiva, leva ao estado de solidão e desamparo.

A experiência se faz, agora, num clima agorafóbico, medo de viver em espaços vazios.

Fundido de um lado e ameaçado de não sobreviver do outro, a pessoa vive angústias por falta de limites —– essa é a dinâmica dos pacientes borderlines!

Como dar outro arranjo para o compartilhamento, o diálogo, a relação de parceria?

Essa questão só tem chance se o ser humano suportar sua condição de “ser dependente” e “ser sozinho” concomitantemente.

É verdade que nossos pais (sem culpabilizá-los) não nos prepararam para tirar proveito da solidão assim como de uma relação sem grude e dependência extrema!

“Os homens amando sem amar, ah, triste amor despedaçado”, diz o poema de Hilda.

Amando sem amar é um jeito metafórico de falar de uma reclusão, de um recolhimento dos afetos para não viver os conflitos inerentes da relação amorosa (ciúme, rivalidade, inveja e competição)

Estamos ficando “autistas” mesmo na condição dita, de normalidade? No livro sexto da tradução para o português — “A Fugitiva”, da “À la recherce du temps perdu”, obra prima da literatura universal, de Marcel Proust, encontramos uma passagem de prosa poética que tenta entender a fobia de lidar com os afetos.

Na página 85, tradução de Carlos Drummond de Andrade, encontramos o seguinte fragmento:

”Ah!, se acontecesse algum, minha vida, em vez de ficar envenenada para sempre com esse ciúme contínuo, haveria logo de recuperar, se não a felicidade, pelo menos a calma, pela supressão do sentimento”. Caso a pessoa se defenda, suprimindo o sentimento, a negação atinge tanto o sofrimento doloroso como também o prazer. É o que costumo chamar de “anorexia de afeto” para se defender do outro polo, a “bulimia afetiva”.

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