A Editora SESI-SP acaba de lançar uma bela obra nesse ano de 2017, “Mulheres de Machado”, com apresentação de Hélio Seixas Guimarães. O livro desfila de uma maneira cruel, vários contos de Machado, onde a tônica é a violência da estrutura familiar contra a liberdade da mulher. O poder patriarcal, ainda vestígio de uma cultura moral-religiosa baseada na estupidez de que: a felicidade de uma filha estava destinada nas vantagens materiais do “vil metal”. Casar uma filha era um negócio, era encomendá-la a “um bom partido”, em detrimento das qualidades humanas, afetivas e de sanidade psíquica do “prometido”.
Por razões óbvias de limitações reais da minha escrita, não relatarei o “caso catastrófico do casamento de Catarina e seu prometido marido Mendonça”. Limito-me a trazer questões relativas à sensibilidade machadiana. Já no fim do século 19 e começo do século passado, denunciando em sua literatura, a violência, estupidez com que eram tratadas as mulheres, objetos de posse dos seus pais e das pressões culturais de uma sociedade machista, onde a mulher era uma coisa, uma moeda de troca, alguém privada de desenvolver sua personalidade própria sem a liberdade de dar à sua vida o destino que desejasse. Machado mostra – e aconselho ao leitor ler seu famoso conto “Carolina” – num momento trágico, triste e digno de compaixão, Carolina dizendopara sua amiga íntima Lúcia: “Entro no leito conjugal como num túmulo” (…) “deixo as minhas ilusões à porta, e peço a Deus que não perca só isso”.
O casamento não ecoava uma sinfonia transformadora de uma parceria, e sim uma marcha fúnebre que anunciava a morte dos amantes(?). Carolina, condenada a receber recriminações quando ia dar a mão de esposa com o luto no coração, descrevia Machado. Metáfora que intuía das relações perversas, coloridas de cinza a vida vazia, depressiva e mortífera dos falsos casamentos. Ao final do conto, encontramos uma sentença machadiana: escrevendo após anos de casamento à sua amiga Lúcia, Carolina afirma: “Se o meu casamento é um túmulo nem por isso posso deixar de respeitá-lo.”
Caro leitor, muita coisa mudou. As mulheres adquiriram mais liberdade e autonomia em suas escolhas, mas ainda, na sociedade pós-moderna, essas questões estão a merecer conquistas e mais conquistas. Machado de Assis merece ser lido e relido por razões óbvias: soube suplantar a veemência dos preconceitos derramados sobre ele, e transformar suas angústias e sofrimentos em arte literária deixando lições atualíssimas: o ensinamento de que o mais sublime na vida é a inquietação humana lutando pela compaixão e a liberdade.