Psicanálise da vida cotidiana – Abrigo da tempestade – 13/09/17

Eu já ouvi bebês recém-nascidos chorando como pombo lamentando
E anciões com dentes quebrados largados sem amor
Se eu entendo a pergunta, cara,
Será sem esperança ou desamparo?
“pode entrar”, ela disse,
“Eu lhe darei abrigo da tempestade”.

Versos livres da poesia de Bob Dylan – “Shelter from the Storm

O mundo literário teve um choque de conservadorismo quando a Academia deu o Prêmio Nobel a Bob Dylan! Afinal entenderam que letra de música tem valor poético e é poesia pura. A canção popular foi oficialmente reconhecida como elemento inserido no mundo das Letras. Nada mais atual do que a criação artística de Dylan e seu grito, através da música e da poesia, grito que entremeia o poema e a política.

Os gritos dos infantes nascidos hoje, em qualquer lugar do mundo e, especificamente em nosso país, assim como o desprezo pela população idosa, mostram a desesperança de um mundo melhor. A similitude entre o bebê e o idoso recai na necessidade de acolhimento, de ternura e de falta de política pública que assegure um começo e fim de vida onde a compaixão é um sentimento essencial. “O lamento do pombo e os dentes quebrados largados sem amor” são expressões metafóricas da crueldade, do egocentrismo e da patologia perversa das classes dominantes e governos assassinos que exercem, através da voracidade sádica e do vampirismo pelo “vil metal”, pelo Ter em detrimento do Ser, a ausência total do conceito de humanidade.

A dor que sente uma mãe que vê seu filho atravessado por uma bala perdida; a tristeza que sente um pai por não ter condições de oferecer escola e cultura a seus filhos; as mentes desesperadas, suicidas e alucinadas compondo um grupo de excluídos nas cracolândias do país;os hospitais carentes em acolher os agonizantes de uma morte anunciada; os negros e índios mortos por brancos que brincam nas avenidas, oriundos de famílias ricas;as enchentes que inundam cidades como consequência de lucros abusivos de empresas perversas; os idosos com lágrimas petrificadas sem direito a assistência social e médica; as verbas públicas que nunca cumpriram seus objetivos comunitários, pelo contrário, deixaram cadáveres e mais cadáveres mortos sem comida e corroídos por doenças letais.

“Os pombos tinham razão em seus lamentos”.Daí nasceram os cantos de blues; as baladas líricas, a geração do beat, o samba canção, a cultura musical negra da Baía de Todos os Santos e letras-poemas das canções da geração de 60 e dos grandes festivais – “para não dizer que não falei de flores”.

Venham senadores, congressistas/por favor, escutem o chamado. Não fiquem na entrada da porta/ Não bloqueiem o hall/Pois aquele que se machucar/ Será aquele que morreu/ Há uma batalha lá fora/ E está prosseguindo violentamente/ Logo estremecerá sua janela/ E estremecerão suas paredes/ Pois os tempos estão mudando.

Do poema: “Os Tempos estão mudando”- Bob Dylan.

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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