Liev Tolstói, após seus romances Guerra e Paz e Ana Kariênina, dedica-se a uma vida de meditação e de aperfeiçoamento moral, um verdadeiro sermão a não violência e os princípios do cristianismo.
Num último dos seus livros Os Últimos dias, editora Penguin & Companhia, há um pequeno ensaio: “Carta sobre a educação”, de 1902, destinada a Sófia, sua nora. O texto, escrito de uma maneira respeitosa e afetiva traz algumas questões sobre a educação das crianças. Veja, leitor, alguns fragmentos que passo a transcrever: “Por isso, a primeira condição para uma boa educação é que a criança saiba que tudo aquilo de ela precisa não cai pronto do céu, mas é o resultado do trabalho de outras pessoas…” Logo adiante vem um belo conselho: “Deixe-os fazer com empenho, tudo o que precisarem fazer para si próprios; descartar as próprias fezes, pegar água no poço, lavar a louça, arrumar o quarto, limpar os sapatos e as roupas, arrumar a mesa e assim por diante; deixe-os fazer sozinhos… com esse princípio, eliminamos duas questões de uma só vez: ele permite que se estude menos, utilizando o tempo de maneira mais proveitosa e natural, e acostuma as crianças à simplicidade, ao trabalho e à autonomia”.
Tolstói, nesses pequenos e profundos conselhos, mostra uma coisa muito importante na educação das crianças: a capacidade de ser só, ainda que acompanhada, e a disciplina permanente de exercer responsabilidade e capacidade de trabalho. É claro que todos os seres humanos querem o prazer, nada mais justo, mas que esse prazer venha do empenho, do trabalho para consegui-lo.
Hoje, na sociedade atual, estamos observando a falta de limites, de senso de responsabilidade, de ética e de educação político-social nos lares. Os limites estão fragilizados, a liberdade não é ensinada como algo relativo, o consumismo tomou conta da cultura do Ter e não do Ser, os desejos são todos satisfeitos, criando pessoas que não suportam frustrações, falta e adiamento do prazer. Daí as drogas, as condutas perversas, os roubos, assaltos, corrupção e comportamento psicopático onde não se tem nenhuma noção de responsabilidade e culpa. “O sujeito de hoje guarda uma nostalgia quase melancólica de um absoluto que não há mais e de garantias de verdade que se perderam. Vivemos em um mundo desencantado e experimentamos atualmente o mal-estar nascido dos vazios provocados pela ausência de Deus, de fé e de lei”, expressa Carmen da Poian em seu livro (organizadora) Formas do Vazio—desafios ao sujeito contemporâneo, editora Vialettera.
Tolstói, metaforicamente, diz a sua nora: desenvolver capacidade de ser só, de ter uma identidade não fundida com seus pais, de desenvolver as funções de trabalho e adquirir bônus desse trabalho. O melhor presente que os pais podem oferecer a seus filhos é a liberdade deles terem liberdade, autonomia e responsabilidade, tanto consigo próprios como com os outros. Educar sem pensar no social é criar indivíduos narcísicos, arrogantes, prepotentes e perversos, coisa que atualmente não é raridade em todas as camadas da nossa sociedade.