Psicanálise da vida cotidiana – Nascer e quem sabe, sobreviver! – 01/11/17

Já se é nascido quando nasce ou nascemos do transgeracional? Nascemos dos animais, ditos inferiores, ou melhor, afirmamos que nascemos com as marcas e “memórias” dos seres primitivos.

Sim, somos e seremos sempre animais humanos e animais primitivos. Nossa mente funciona tanto num sistema sofisticado quanto num comportamento primevo, instintivo, movido por impulsos somente em busca de prazer. Mas Freud falou em “princípio de realidade”, que tudo aquilo vindo do interior e do exterior  necessariamente não oferece satisfação, prazer e bem-estar!

Somos frustrados dia a dia, enlouquecemos com a dor de não realizar todos os nossos desejos, ficamos odientos tal uma criança pirracenta metamorfoseada num “pequeno enlouquecido”. Outras, pelo contrário, podem suportar a dor, esperar a satisfação ou até mesmo adiá-la, caso tenha uma capacidade de conviver com a dor psíquica sem enlouquecer. Mas somos exigentes, pretensiosos, narcísicos por excelência, arrogantes, vorazes, invejosos. Quando predominam esses caracteres, os psicanalistas hoje falam de personalidades borderlines, pessoas normais com instantes ou períodos de funcionamento de “partes psicóticas”.

Sim, Clarice Lispector tinha razão quando escreveu no início do seu pequeno conto Tempestade de Almas: “A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente”. Podemos inferir que “enlouquecer” por algum momento, é um recurso para se livrar da dor insuportável da realidade interna e externa.

Pois bem, nascemos com ingredientes intrínsecos de sanidade e insanidade. Esperamos nascer, sermos acolhidos, educados, civilizados, para que possamos sobreviver até a “última estação do trem” com um nível razoável de criatividade.

Nascer e sempre estar criando é uma condição de saúde mental. Criatividade éum recurso dos infantes e adultos para suportar as “dores do mundo”. É bem verdade, e verdade cruel, que hoje em dia está ficando quase impossível manter a criatividade humana sem governos que não acreditam e não oferecem condição de Educação. Educar é sempre nascer para o novo, o desconhecido. Está nos parecendo que a civilização atual, dita pós-moderna, a cada dia regride ao primitivo, ao animalesco, ao poder destrutivo, incentivando uma cultura falaciosa do “vil-metal-felicidade”.

Para nascer e criar há que se praticar liberdade e respeito. Caro leitor, olha o que um dos escritores importantes da nossa literatura nos disse em seu lindo e sofrido livro Vermelho Amargo: “No princípio, se um de nós caía, a dor doía ligeiro. Um beijo se curava a cabeça batida na terra, o dedo espremido na dobradiça da porta, o pé tropeçado no degrau da escada, o braço torcido no galho da árvore. Seu beijo de mãe era um santo remédio. Ao machucar, pedia-se: mãe, beija aqui!” Esse escritor mineiro era Bartolomeu Campos de Queiroz e sempre gostou de escrever para crianças e jovens. Lamentamos que tenha falecido aos 68 anos.

Quem sabe se ainda temos tempo de recuperar ou elaborar a crise da Família, da Ética, do Estado, da Justiça e da Política. Aí poderemos continuar a nascer e trazer filhos para um mundo humano. “Sem o colo da mãe eu me fartava em falta de amor”, escreveu Bartolomeu em seu livro.

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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