Psicanálise da vida cotidiana – Capacidade para tolerar a dor psíquica – 22/11/17

Outro dia, uma pessoa vivendo uma terrível crise de angústia, exclamou: “tenho a impressão que não aguento mais sofrer”. Logo pensei: uma maneira sadia de viver e tolerar o sofrimento são o poder hospedá-lo sem enlouquecer, e sem imaginar e vivenciar que o tempo da angústia é absoluto, infinito.

Isso faz o pânico maior, uma sensação claustrofóbica que jamais sairá daquele desconforto. Hospedar é uma palavra legal de se pensar, pois remete à ideia de conter, de continência, acolhimento, ou seja, de respeitar a dor psíquica sem necessariamente exigir se livrar dela imediatamente.

O ser humano nasce com um funcionamento preponderantemente corporal, dito de outro modo, lidando com o desconforto e o desprazer através de um modo “evacuatório”, tentando se livrar e expulsar a dor através de mecanismos projetivos. Aos poucos, aprende por meio da função materna que a angústia é suportável, com isso vai desenvolvendo um aparelho psíquico para lidar com as experiências dolorosas.

Pensar a dor, na dor, é uma disciplina a ser aprendida e exercitada. Parece absurdo, caro leitor, mas a mente humana tem essa competência, sem necessitar pirar, explodir, nem se alienar. Quantas dores a vida nos mostra que somos capazes de aprender com elas! Quanta perda pode ter condições de fazermos lutos e seguir em frente, ainda que essas perdas sejam substituídas pela saudade: capacidade de ter o outro na ausência!

A cada dia, a cada experiência que se aprende mais e mais com as experiências dolorosas, nascemos de novo, experimentamos transformações criativas em nossas vidas, vamos nos aperfeiçoando, pois uma personalidade sempre está a se fazer, nunca termina, sempre se expande no sentido de maior crescimento psíquico.

Há um poema magnífico de Carlos Drummond intitulado de “Nascer de Novo”. No poema, nosso poeta gauche, numa das últimas estrofes escreve:

“Eis que um segundo nascimento,
não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances do silêncio.

…em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato
espelho
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa”.

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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