Sonhar é um recurso criativo de todo ser humano. Sonhar é uma forma de viver experiências psíquicas que a nossa mente censura e não oferece acesso durante a vigília. Estou me referindo ao sonho do sonho, pois quando acordados também sonhamos, mas é difícil nos darmos conta disso. Em suma, vivemos de sonhos, de devaneios, de expectativas de realizar nossos desejos.
Após um século do seu livro “Interpretação dos Sonhos”, Freud continua contemporâneo, atual, clássico. Aprendemos com ele que os sonhos são “realizações de desejos”, tanto do vértice criativo, quanto da expressão da nossa destrutividade, ainda que sejamos movidos para realizar satisfações prazerosas. É verdade, igualmente, que também temos desejos de sofrer, por mais paradoxal que pareça. Esses desejos de sofrer remetem à questão de sentimentos de culpa e castigo, consequência de atos agressivos e destrutivos em nossa vida. No sonho do sono abre-se um cenário plástico, predominantemente visual para que realizemos desejos proibidos, desejos que a moral da realidade não aceita. Desejos de odiar, ferir, de ser grandioso; desejos perversos, malucos, loucos, tresloucados, enfim, experiências de satisfação que a própria censura superegoica impede quando estamos acordados.
Há, nas obras completas de Jorge Luis Borges, escritor argentino e ícone da literatura universal, um profundo ensaio sobre o “Pesadelo”, no livro das Sete Noites, 1980. Lá, encontramos uma sacada genial do autor quando escreve: “A cada homem é dada, com o sonho, uma pequena eternidade pessoal que lhe permite ver seu passado próximo e seu futuro próximo”.
Sabia Borges, tanto quanto Freud, que os sonhos, diga-se de passagem, são atemporais; presentificamos nosso passado e atualizamos nosso futuro. Sonhamos com pessoa queridas, que já falecidas, para quem sabe, tê-las no presente; matamos a saudade; eternizamos o tempo e temos a possibilidade de reencontros. Na última estrofe do poema “Sonho de um Sonho”, do nosso poeta maior, Carlos Drummond, ele escreve:
“Sonhava, ai de mim, sonhando
Que não sonhara…Mas via
na treva em frente ao meu sonho,
nas paredes degradadas,
na fumaça, na impostura,
no riso mau, na inclemência,
na fúria contra os intranquilos,
na estreita clausura física,
no desamor à verdade,
na ausência de todo amor,
eu via, ai de mim, sentia
que o sonho era sonho, e falso”.