O tempo em nossa vida se refere ao passado, presente e futuro. Vivemos também o tempo do relógio, o tempo lógico, o tempo atemporal do inconsciente e o tempo da memória e da “alucinação” do futuro. Somos sempre presos aos momentos passados, às nossas lembranças, às nossas expectativas do que há de vir, mas uma das experiências mais difíceis na experiência humana é a vivência do tempo presente, do aqui e do agora, daquilo que nos atravessa sem que demos a devida importância.
Penso que vivemos mais de passado e de futuro do que do presente, quando a rigor, se pensarmos melhor, só existe um tempo: o tempo presente. O passado é tempo presentificado e o futuro é desejo, ainda não é tempo.
Geoffrey Chaucer, o iniciador da literatura inglesa, em seu maravilhoso livro Os Contos de Canterbury, livro traduzido pela Editora 32 em edição bilíngue, numa passagem do Conto do Magistrado nos alerta: “O tempo, meus senhores, consome os dias e as noites; e seja por nossas fugas no sono, seja por nossos descuidos na vigília, passa por nós como a torrente que nunca mais retorna a descer da montanha para o vale. Não é à toa que Sêneca e muitos outros filósofos lamentam mais a perda de tempo que a do outro do cofre. ‘Os bens que se vão podem ser recuperados; mas o tempo que se gasta atinge a nós bem no fundo’, disse ele, pois não volta nunca mais, assim como não volta a virgindade que Malkin perdeu por sua luxúria. Por isso não vamos ficar mofando no ócio”.
O que podemos aprender com essa sabedoria para que nossa vida permaneça com momentos mais salutares? A experiência clínica nos mostra as várias formas de viver e sofrer com a vivência do tempo: os depressivos e os obsessivos vivem da memória, dos ressentimentos, das mágoas e das culpas; os excitados de humor, vivem esperando o tempo do futuro, das realizações a posteriori, como se suas vidas fossem eternas; os carentes de afeto sofrem do tempo que não satisfazem seus desejos, que, diga-se de passagem, são grandiosos. Todos não sabem desfrutar do bom que o presente lhes oferta; esquecem que o dia de hoje é o tempo que temos, pois a vida é incerta, finita, e poderemos morrer amanhã. Lamentam mais o tempo do cofre, como diz Sêneca, e não degustam o que têm, no sentido de qualidade e não de quantidade.
Poderíamos apontar os fatores que concorrem para essas perdas de tempo, a nossa atual cultura egocêntrica, mercantilista e consumista. Não estamos preocupados com Ser e sim com Ter. A democracia e as políticas ditas modernas dão ênfase às questões econômicas e financeiras, esquecendo o cuidado com a filosofia humanista.
Lembra-me Clarice Lispector em seu livro Perto do coração selvagem quando escreve:“Analisar instante por instante, perceber o núcleo de cada coisa feita de tempo e espaço. Possuir cada momento, ligar a consciência a eles, como pequenos filamentos quase imperceptíveis mas fortes. É a vida? Mesmo assim ela me escaparia”.