Psicanálise da vida cotidiana – Um recorte sobre o Amor no Séc. XXI – 03/01/18

Embora meus vizinhos sejam todos grosseiros, e você, você esteja a mil quilômetros de distância, há sempre duas xícaras sobre minha mesa.

John Fowles – The Magus

 

No livro de Cristina Nehring Em defesa do Amor-resgatando o romance no século XXI, Ed. Best Seller, há um capítulo inquietante e provocador. A começar com o título, onde há uma citação de Ralph W. Emerson: “É preciso haver dois antes de haver um: o amor como ausência”. Escreve Cristina: “Se o mito de Tristão e Isolda é uma história de transgressão, é igualmente uma história de separação – tanto geográfica quanto sexual. Por que os amantes dizem adeus uns aos outros o tempo inteiro? Por que, na frase de Denis de Rougemont, eles, ‘não perdem uma única oportunidade de se separar?’ É como se soubessem que, para sentir saudade um do outro, nem sempre podem ter um ao outro. Será que eles sentem que, o sal da separação autoinduzida, é possível que o amor deles se torne insípido?”

Junta, separa, separa junta, esse movimento ambivalente quer o que? O reasseguramento do amor de um pelo outro e vice-versa? A escritora fala em “dramatizar efeitos afrodisíacos da ausência”, e lembra também da história de Dante e Beatriz. Unidos, porém fendidos. Juntos, porém afastados. O movimento eterno do amor. A gangorra infinita da paixão! Não ocorre a Cristina, escritora, lembrar que uma relação mais amadurecida vem a ser aquela que os dois amantes são juntos-separados, ou seja, como elaboração da separação, da fusão, cada um tem sua individualidade própria, ainda que estejam juntos. As pessoas, se observamos com mais sensibilidade, são juntas e separadas. Há uma solidão, uma “soledade” implícita no par, mesmo que se amem e se protejam. Essa condição existencial é parte do viver a vida, cada dia tentando ter uma vida própria, e não uma fusão mortífera, onde os dois não se reconhecem como alteridade, e sim fazem um par-fusão, fundidos sem identidade própria e sem amor próprio.

Esse é um drama do século XXI, para não ter perdas e não se perder no outro, sinônimo de morte do amor, hoje, as pessoas se defendem do amar. É um tipo de anorexia afetiva como defesa de uma relação voraz, vampiresca.

Isso reedita a primeira relação, a relação com a mãe – uma relação fusional, com uma fantasia inconsciente de posse. É evidente que, vale a pena considerar que tanto o filho(a) e a mãe, ou quem tem a função materna, são responsáveis, pois reflete uma dificuldade de elaborar a separação, tanto um quanto o outro. Esse amor “porto-seguro”, “interminável”, “eterno”, é uma metáfora para suportar o desconhecido, a dúvida, a incerteza e a mortalidade.

 

 

Carlos de Almeida Vieira – Médico psiquiatra, Psicanalista da SPBsb, Membro da Federação Brasileira de Psicanálise –  FEBRAPSI e da International Psychoanalytical Association – IPA


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