Notas sobre Thomas Mann

Literatura e História:

          A literatura alemã é uma questão muito extensa para se descrever. Seus livros são livros produzidos na Alemanha, Suíça e Áustria. Estamos no século XIX e XX, enfatizando dois pontos: a literatura medieval — A Canção do Nibelungos (1200) e o famoso classicismo de Weimar que mostra as figuras de Goethe (1749-1832) e Schiller (1759-1805). Sua obra marcante foi, sem dúvida, o Fausto de Goethe.

Entre 1850 e 2000, assistimos obras famosas, contemporâneas de Thomas Mann, de autores tais como Elias Canetti, Rilke, Bertold Brecht, Kafka, Hermann Hesse Günter Grass entre os mais notáveis. Estamos no período das duas guerras mundiais, o trágico período hitlerista, a divisão da Alemanha, e após o movimento da Tempestade e ímpeto (Strung und Drang) e também a influência da Escola de Frankfurt, onde aparecem genialidades como Adorno e Walter Benjamin. Estamos na história das idéias, no ápice da intelectualidade, da ciência da objetividade, do advento do positivismo, onde as emoções, sentimentos e afetos eram relegados a um plano não científico e repleto de imaginações, fantasias, crenças, mitos.

Thomas Mann, um dos maiores escritores da metade do século XX, nasce em 6 de junho de 1875 em Lubeck, e morre em Zurique, na Suíça, em 12 de agosto de 1955 aos oitenta anos. Prêmio Nobel de Literatura em 1929; Prêmio Goethe em 1949.

Da sua herança genética traz o sangue alemão, racionalista, irônico, um tanto arrogante e político idealista; enquanto carrega nas veias, patrimônio genético de origem brasileira na pessoa da mãe, Silva Bruhns Mann — Mann é um mestiço, e em sua miscigenação encontra mais tarde suas dúvidas, incertezas, paroxismos, entre uma cultura rígida, germânica e outra latina, expressiva emocionalmente, onde mostra seu lado humano, preocupado com a “vida da planície”, ou seja, com a divisão histórica, política e psicológica entre a racionalidade e a afetividade. Traz em sua biografia, a influência da religiosidade mística de Schopenhauer e a filosofia provocativa de Nietzsche —- a tentativa de humanizar o homem que até então seguia os designos dos Deus, do Iluminismo radical, da Reforma Luterana e do desprezo pelo psíquico, psicológico. Estamos ainda na vigência de uma visão humana restrita à Consciência. É influenciado por Goethe, e por Adorno, e talvez aí desenvolve a visão de mundo, onde a poesia, a arte, a ciência seriam a salvação humana, numa dimensão humana. Veremos isso na Montanha Mágica, onde Thomas entra em contato com a fragilidade humana, a doença, a afetividade, a importância do inconsciente e a “cura pela arte”. Convence-se da necessidade de assumir sua missão de escritor e artista. Nota-se em sua obra a importância da música, fato que o liga aos ideais de Wagner. Num ensaio sobre Wagner, Thomas escreve: “Sofredora e grande, como o século XX, do qual a expressão mais rematada, ergue-se diante de meus olhos a figura espiritual de Richard Wagner… o amor pelo seu trabalho, um dos mais grandiosos fenômenos questionantes, polissêmicos e fascinantes do mundo criativo, de seu amor pelo século… com sua vida cheia de inquietação intrigante, atormentada, possessa e incompreendida, que desaguou no brilho da fala mundial… um paixão ao muito pequeno e ao minucioso, ao detalhe anímico. Sim, a grandeza, que sabe encontrar uma felicidade curta, isenta de crença, na embriaguez momentânea da beleza fundante, é seu ser e caráter…”

Thomas Mann vivia num permanente conflito entre seus ideais, privilegiando a razão, às vezes cético, mas não conseguia se desvencilhar do “pessimismo” e da “íntima união musical com a noite e a morte”. A arte, os artistas e os cidadãos da planície ganham uma importância como representantes da humanidade.

A marca importante da escalada de Thomas Mann em sua vida foi sempre o intrigante conflito entre a burguesia e a decadência da sociedade alemã em geral, com a degeneração biológica e econômica, colocando-se diante da sociedade com um “homem outsider”. Nas palavras de Anatol Rosenfeld, alguns pontos essenciais moldavam a vida do autor de Morte em Veneza:

1 – “O espírito e a arte, e principalmente a música, são para Schopenhauer forças libertadoras da morte (tema permanente em Thomas), portanto forças não burguesas, já que levam o indivíduo à sua auto dissolução no nirvana;

2 – O pecado original da individuação é ao mesmo tempo um fenômeno moral, pois somente através dele o processo de dissolução é introduzido e adquire sentido;

3 – A metade de todo vir a ser é a “suspensão” da vontade de viver, apaixonada e individual, na unidade do nirvana.” – Amor, doença e morte – ver página 169 de Morte em Veneza.  O mesmo se vê no personagem do príncipe Klaus Heinrich em seu romance “Sua Alteza Real”, na pág. 171.

—- “Natureza sem espírito ou espírito sem natureza dificilmente podem ser chamados de vida”. 

—- “O gênio tem um pé de intimidade com a doença e a disposição natural”.

—- Segundo Otto Maria Carpeaux, em seu livro “A história concisa da Literatura Alemã, Faro Editorial, Thomas Mann é o clássico do gênero Romance, da literatura germânica. Está ao lado de Balzac, Stendhal, Flaubert, Henry James e outros menos importantes. O Estilo de Mann é sóbrio, um pouco cerimonioso, formado segundo o estilo de Goethe, e como nesse estilo é cheio de subentendidos, alusões, insinuações, tudo isso mostrando perfeitamente sua Ironia: ironia que serve para abrir perspectivas ou para abrandar a emoção profunda, inconfundivelmente romântica. Guarda sempre um estilo latino. Thomas tem sua dialética entre sua alma alemã e seu espírito muito universal. Em Buddenbrooks mostra  a história dolorosa da decadência de uma família de patrícios. Foi, nesse sentido, um romance tipicamente alemão e ao mesmo tempo o romance da decadência europeia”.

—- No livro do escritor e crítico francês, Michel Zéraffa —   “Pessoa e Personalidade = o romanesco dos anos de 1920 aos anos de 1950”, Editora Perspectiva, há uma passagem interessante que liga Thomas Mann à psicanálise, quando escreve: “Do mesmo princípio decorre, como vimos, o interesse de Mann pela psicanálise: o conhecimento dos “arquétipos” nos ensina através  de quais filiações chegamos àquilo que somos: “Quantas vezes constatei… que a personalidade de meu pai defunto, é, no fundo, o modelo secreto que determina aquilo que faço” (Freud und die Zukunft).

—- A fascinação é, ao contrário, para Castorp (personagem da Montanha Mágica, o maior perigo. Seu oportunismo e sua lucidez irão  de mãos dadas. Quanto mais a morte está presente (física, com o bacilo; afetiva com uma paixão infeliz, social diante do espetáculo de uma burguesia que encontra no sanatório um porto seguro, ideológica com Settembrini e Naphta, mais o espírito de Castorp ganha em vigilância. Assim, Mann resolve a contradição na qual vê debater-se a pessoa numa época de regressão de valores (como a atual): visto que o século priva o homem, do tempo de refletir, antes de agir, de fazer histórias antes de querer transformar o mundo. Era necessário colocar a personagem num universo fechado e sobretudo imóvel, em que a “ascensão da dúvida” seria tanto mais ameaçadora quanto seria traduzida por mensagens (fora do contexto e do espetáculo da vida concreta e movediça) que o herói deveria decifrar …. pois o que Castorp ensina fundamentalmente é compreender as diversas significações da totalidade humana”.

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