Psicanalistas de urgência: profundo engano!

“A noite… ela é a imagem do inconsciente e, no sono da noite, o inconsciente se libera. Como todo símbolo, a noite apresenta um duplo aspecto, o das trevas, onde fermenta o vir a ser, e o da preocupação do dia, de onde brotará a luz da vida”.

Chevalier,J; Cheerbrant in “Dicionário de Símbolos”.

A experiência psicanalítica não é uma terapia breve, uma terapia de urgência nem um método terapêutico focal, no sentido de trabalhar questões objetivas, como se fosse um protocolo médico que atende urgências e situações emergenciais. Para isso temos as técnicas de psicoterapia da crise, terapia de fundamento comportamentalista e cognitivista, psicoterapia de orientação psicanalítica… técnicas onde o terapeuta ou mesmo o psicanalista não trabalha a transferência, a contratransferência, a associação livre, a atenção flutuante e análise dos sonhos. São técnicas de acolhimento, de suporte e manejo da crise.

Qual o motivo de estar diferenciando tudo isso da psicanálise? Sinto necessidade, como psicanalista, de orientar aos leitores e à população essas diferenças e questões, na medida em que há um “modismo” e uma falta de discernimento do que é o espaço da clínica psicanalítica e de outras terapias que são benéficas frente às angústias na pandemia e no estado atual de crises existenciais. Nunca houve tanta necessidade de atendimento à população carente, física e emocionalmente do nosso Brasil, no sentido em que a saúde mental não é considerada como necessidade básica, humana, pelos nossos governantes — muito pelo contrário.

Não são poucos os profissionais da área psi que, com facilidade e certa ousadia, se apresentam e se identificam como psicanalistas sem ao menos terem uma formação rigorosa em psicanálise. Têm uma experiência brevíssima de análise pessoal; quando todas as instituições reconhecidas nacional e internacionalmente exigem um mínimo de quatro a cinco anos de análise do futuro analista com uma frequência mínima de três a quatro sessões por semana; uma experiência de atendimentos clínicos supervisionados pelo menos de 200 horas de supervisão e um curso teórico (onde a tônica é a clínica) de quatro anos, além de trabalhos apresentados nos institutos e sociedades de psicanálise.

Analisar uma demanda de análise, e não de urgência psicopatológica, é uma tarefa árdua, tanto para o analista como para o analisando. Envolve uma relação de muita intimidade, privacidade e presença constantes, o que não acontece com “psicanálises de urgências”, ou o que chamaria de “pseudo-análises”.

Que uma grande maioria da população está angustiada seriamente, disso não se tem dúvida. E as angústias predominantes são consequências de traumatismos precoces infantis, de ausência de acolhimento dos genitores (obrigados a trabalharem quando existe emprego), fome, não assistência de saúde e educação e tantos outros fatores centenários, que diante de catástrofes reais (pandemia, falência de políticas públicas, desgoverno, capitalismo perverso, falta de educação, etc.) provocam um sofrimento psíquico colorido de síndromes do pânico, estados pré-psicóticos, estados esquizo-afetivos e particularmente estados depressivos graves, suicídios, homicídios e de drogadição. Como trabalhar esses sofrimentos, senão trabalhando os conflitos primitivos e infantis do ser humano? Acolher é importante, mas é pouco. Enquanto saúde (e, particularmente, saúde mental) não for um direito e sim um bem, permaneceremos nesse impasse. Agora que as sociedades de psicanálises começam a pensar um modo de formar psicanalistas, impedidos até então por questões financeiras e de preconceito racista em nosso país e no mundo. A verdade é que a psicanálise no Brasil nunca teve subsídios para as classes menos favorecidas. A Europa, principalmente, subvenciona essa possibilidade, pois investem os impostos pagos pela população para aplicar em saúde mental. Aqui, essas verbas descem rio afora para encher o bolso dos governantes e seus afilhados.

No belo livro “Encontrar o Homem no Homem, Dostoiévski e o Existencialismo”, Editora Kalinka, de autoria de Víctor Eroféiev, formado em Literatura, Crítica Literária e Filologia pela Universidade Estatal de Moscou, escrito em 2003 e traduzido para o Brasil em 2021, há uma importante citação de Simone de Beauvoir: “Com efeito, as escolhas infelizes que a maioria dos homens faz só podem ser explicadas porque foram operadas a partir da infância. O que caracteriza a situação da criança é que ela se encontra lançada num universo que ela não contribuiu para instituir, que foi moldado sem ela e que lhe aparece como um absoluto ao qual só pode submeter-se; aos seus olhos, as invenções humanas: as palavras, os costumes, os valores são fatos dados, inelutáveis como o céu e as árvores, isso quer dizer que o mundo em que ela vive é o mundo da seriedade, uma vez que o do próprio espírito de seriedade é considerar os valores como coisas prontas.”

Já se faz no Brasil, e também aqui em Brasília, um belo trabalho orientado por psicanalistas experientes em creches, grupos de família, escolas e em comunidades carentes, aliás, com sucesso e progresso. São aplicações da experiência psicanalítica ao social, válidas e necessárias. As sociedades de psicanálises de monta já se preparam para oferecer formação em psicanálise às pessoas carentes economicamente, aos os indígenas e aos negros (pretos), que eram impedidos por profundo preconceito até agora. Isso expande o número de psicanalistas substancialmente e repara uma dívida centenária.

Quanto aos terapeutas não psicanalistas, espera-se que exerçam suas técnicas emergenciais, de apoio, acolhimento, modificação de comportamento, funções imprescindíveis à sociedade, mas não com o nome de psicanálise! Penso que é uma atitude ética cada um aprofundar e desenvolver suas funções específicas.

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