A paixão é um estado abrupto de efusivos raios de sensorialidade, de pulsações frenéticas de corporeidade, de preconcepções alucinatórias em direção ao seu Objeto (pessoas, coisas e ideias). É um introito ao ideal do perene, do eterno, do infinito, razão primordial para se sair da angústia de abandono, quando do encontro fictício da transcendência do Ser. A paixão é a crença no encontro Outro-Eu, do fusional, perdido após o nascer. É uma ousadia dada aos Homens, é chegada, é risco, é perigo, no entanto também é a esperança do acolhimento imparcial, do “gêmeo imaginário”, ou “da tão decantada “outra metade”. A paixão é narcísica, não conhece nem reconhece a diferença. Não suporta o diferente, daí Drummond em seu poema “Igual-Desigual” terminá-lo, versando “…o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa./Ninguém é igual a ninguém./ Todo ser humano é um estranho impar”.
A paixão odeia a possibilidade de qualquer final, pois o ser apaixonado acha como Dante, que encontrou sua Beatriz, mas ela já estava no Paraíso quando ele a viu, não pertencia mais ao terráqueo e sim ao transcendental. Esse é um vértice quando Luiz Fernando Carvalho, pósfaciando a bela edição atual da Editora Rocco, do intrigante e sábio texto de Clarice Lispector – “A Paixão Segundo GH” escreve: “O retrato, riscado a carvão na pele do quarto branco da empregada, expõe fissuras sociais, veredictos morais, civilizações, mas o relato avança liberando fluxos que evocam, pouco a pouco, fragmentos que nos remetem a uma carta cifrada.
Uma carta de amor?
Uma carta de despedida do mundo?
TODA PAIXÃO É UMA CERIMÔNIA DE ADEUS.
Adeus ao mito de Narciso; adeus à ilusão; adeus à esperança de uma relação onde o prazer é o senhor todo poderoso. Cerimônia que se despede, ADEUS!
Mas, prezado leitor, podemos navegar por outra margem do mesmo rio. Podemos pensar a alternativa da “cerimônia do adeus”, para uma qualidade outra da relação afetiva — a capacidade de amar! Difícil a capacidade de amar! Outro dia, dois namorados num banco de praça se postavam grudados, engalfinhados, boca na boca, os pés pareciam ser dois em quatro, soluços de prazer. Aí, passou o espírito de porco e disse de modo enfático: “Eu quero ver se vocês continuarão assim após juntarem as escovas de dente! O amor é “igual-desigual”, belo-feio, delicado e rude, amor e ódio, satisfação e renúncia, flores e espinhos, tapas e beijos, potência e impotência, pureza e sujeira, alegria e desencanto. O amor é a tolerância ao Absurdo que o escritor e filósofo, Albert Camus chamou de “Homem Revoltado”, ou seja, o homem que é capaz de não perder sua vida na experiência do desamor, o homem que não almeja o Transcendental como forma de ódio à sua humanidade imanente, o homem que entre o ato de nascer e morrer, retira proveito do absurdo de viver suportando as dores do desamor. Isto é, fazer a despedida da “cerimônia de adeus”, sem enlouquecer na arrogância do Espelho Narcísico.