A nossa cultura latina, regra geral, não dá importância à necessidade vital da criança experimentar estados de solidão. Estados nos quais o infante treina, se arrisca, tem coragem/medo de ficar só consigo mesmo nos momentos lúdicos e habituais em suas vidas. Os pais, por não terem elaborado as angústias de separação, e por acharem, onipotentemente, que os filhos não podem viver a beleza e a criatividade quando a sós, impedem o desenvolvimento psíquico, mantendo uma “cultura da fusão”, da dependência extrema, de que a mente infantil nasceu sem recursos próprios para suportar momentos de privacidade e independência transitória na caminhada boa e angustiada de sua existência.
Donald. Winnicott, psicanalista inglês que se dedicou à pesquisa clínica e ao estudo do que ela chamava de “capacidade de estar só”, incentivava aos pais, em programas de rádio, sobre a educação das crianças, que a capacidade da mãe ou substitutos, estar perto e distante, presentes e ausentes, juntos e separados, eram atitudes fundamentais para que o infante desenvolvesse o que ele chamou de “solidão fundamental”. Percebam, caros leitores, solidão aqui não é sinônimo de abandono. Pelo contrário: é um estado onde vai se edificar o mais importante na vida de uma criança ou mesmo de um adulto – capacidade criativa para sobrevivência.
Numa crônica da escritora Clarice Lispector, “Solidão e Falsa Solidão”, a autora se inspira em Thomas Merton, monge, poeta e místico francês, sobre a importância da solidão como condição de um indivíduo conviver consigo mesmo e na coletividade. Escreve Clarice, citando Thomas Merton: “Quando a sociedade humana cumpre o dever na sua verdadeira função, as pessoas que a formam intensificam cada vez mais a própria liberdade individual e a integridade pessoal”. […] “A solidão é tão necessária, tanto para a sociedade como para o indivíduo que, quando a sociedade falha em prover a solidão suficiente para desenvolver a vida interior […], elas se rebelam e procuram a falsa solidão […], vinga-se da sociedade, transformando sua individualidade numa arma destruidora”.
A atualidade desses conceitos se faz necessária numa sociedade vigente, onde o respeito pela alteridade e o cuidado pelos direitos humanos a cada dia ficam esquecidos pela “cultura atual”, a cultura do narcisismo perverso, de uma “democracia relativa” e de uma profunda falta do sentimento de esperança e visão humana.
Pedro Vinicio, em seu recente livrinho-livrão, “Tirando tudo tá tudo bem” (editora Cobogó), nos alerta: “Saudade de ter crises de riso e não de ansiedade!”.