“Transmitir um quadro de loucura de uma pessoa para outra era algo impensável para a medicina da época” (fins do século XIX)
Marcel Verrumo
Em 2017, a editora Planeta lançou um curioso livro História Bizarra da Literatura Brasileira, de Marcel Verrumo, jornalista e mestre pela UNESP em Comunicação. O autor dedica-se também a escritos e livros sobre Literatura.
No capítulo 23 há um pequeno ensaio chamado Machado de Assis, o escritor que descobriu que a loucura é contagiosa.
Interessante questão, pois o “Bruxo do Cosmo Velho”, como Drummond chamava Machado, sempre se dedicou em seus contos, crônicas e romances, à apreensão da realidade psíquica, tendo inclusive um belo conto, O espelho – uma nova teoria da alma. Machado, um dos maiores ícones da nossa literatura, citado inclusive por Harold Bloom em seu livro Cânone Ocidental, foi um guerreiro, suplantando preconceitos raciais e suas condições de epiléptico.
Mas, o sofrimento é a veia por onde caminham as grandes inspirações e insights sobre a existência humana, seus prazeres e principalmente suas dores. Thomas Mann e Nietzsche sempre enfatizaram que “a doença” é libertadora pois descomprime os recalques e, caso a pessoa seja um “gênio”, elabora seus conflitos em forma de criação literária e artística. Machado, segundo Marcel Verrumo, não só se antecipou ao famoso diagnóstico psiquiátrico de “Folie à deux” como também a propostas de seu tratamento.
Vale a pena ler o conto sobre essa questão O anjo Rafael (1869), e se deliciar com a sensibilidade e capacidade do “Bruxo” para entrar em contato com a “loucura de todos nós”. Nesse conto fica clara a ideia machadiana de que “a loucura é contagiosa”. A famosa psicanalista Melanie Klein, em seus trabalhos, tem um conceito que ela chamou de “Identificação Introjetiva”, ou seja, a capacidade que uma pessoa tem de tomar para si aspectos psíquicos do outro, e assim, se identificar. Esse é o barato do conto machadiano, digno de ser estudado e com issofazer um link, pelo qual me interesso tanto, entre a Literatura e a Psicanálise.
Quanto ao “contágio da loucura”, é bom que se diga, depende das condições psíquicas do contagiado, ou seja, algumas pessoas têm, por inconsistência de estrutura egóica, uma necessidade de se espelhar no outro para com isso desenvolver sua personalidade. Diga-se de passagem, que esse é um mecanismo normal, fisiológico na feitura do Ser, mas quando se repete demasiadamente esse mecanismo (identificação introjetiva), o Eu se empobrece e adquire uma dependência extrema da outra pessoa.
Esse fato, a “loucura a dois”, ou a loucura desenvolvida por um grupo humano através das identificações com líderes messiânicos e psicopatas, é um fenômeno visível nos dias de hoje. Atualmente observamos um retorno ao fascismo, à identificação de massas com governos totalitários e “nacionalistas”, inclusive pondo em risco a paz da humanidade.
Estamos regredindo como sociedade dita civilizada, ou estamos revivendo o século XVI e XX com questões ligadas ao “luteranismo” e hitlerismo? A prática do Fundamentalismo é um fato atualizado no presente. Com a desintegração da família, do Estado, dos Institutos da Lei e dos Governos, parece que uma fatia grande da sociedade atual ainda necessita “adorar um líder” face aos perigos advindo da sua insegurança e sentimento de abandono. A angústia existencialista toma a cena nos dias de hoje, e o homem, responsável por si mesmo, abdica dessa função psíquica e também política de discernir entre uma democracia moderna e uma oferta de totalitarismo fanático e enganoso. Machado de Assis, em seu conto, inclusive, mostra que a cura dessa loucura era o afastamento da “influência” do agente enlouquecedor.
Sou levado a pensar que, uma alternativa atual é o investimento em Educação e Politização dos jovens, coisa que a bendita burguesia e a classe média cruzam os braços. Melhor é o lucro financeiro, o consumo e os meios de produção a serviço da escravidão e perda da liberdade.
Em seu brilhante livro, Thomas Mann, o Artista Mestiço, Richard Miskolci, doutor em Sociologia pela USP, faz uma citação do Doutor Fausto, de Thomas Mann, sintomática aos dias de hoje: “O rompimento dos laços sociais, o qual ocorre como uma desintegração através da doença infecciosa, ao mesmo tempo política. O fascismo intelectual-espiritual abandonando o princípio humano… o recurso à violência, sede de sangue, irracionalismo, crueldade, a negação dionisíaca da verdade e da justiça, o auto-abandono aos instintos e à vida sem limites, o que na verdade é morte e, ainda enquanto vida, apenas trabalho demoníaco, produto da infecção”.