Outro dia resolvi tomar um café. Eis que me defrontei com uma casa “Café e um Chêro”.
“Chêro” de cheiro, uma impressão produzida nos órgãos olfativos por partículas odoríferas emanadas dos corpos. Aliás, diga-se de passagem, o rinencéfalo é o último órgão a se atrofiar parcialmente nos seres humanos. Imaginem se não fosse!
Bem, ao terminar o lindo cappuccino, pedi a conta. A morena, com ares de uma baiana charmosa, deu-me o troco, ao que refutei: “Mocinha, está faltando algo além do dinheiro: um ‘chêro’”. Ela sorriu, e logo acrescentou: “Imagine o senhor se fossemos dar um ‘chêro’ em todos os clientes?!”. Retruquei. “Então, a propaganda está enganosa!”
Aroma, perfume, odor insuportável, faro, enfim, quantas questões trazem a metáfora. Existe algo mais suave, delicado, afetivo e gostoso do que receber um cheiro de alguém?
Minha memória recupera o jeito de minha tia Dete (apelido para Bernardete), uma santa mulher, que até hoje povoa meu mundo psíquico de uma delicadeza sem fim. Sofria de Mal de Alzheimer e morreu jovem, aos 60 anos. Acho que essa doença (?) tem tudo para ser uma afastamento consciente-inconsciente do ser humano, retirando-se defensivamente desse mundo demoníaco e injusto que vivemos. Contudo, não nego seu aspecto neurológico.
Dete já não se comunicava com ninguém. Certo dia, fui visitá-la e tive uma ideia: encurtei a distância entre nós dois ao cantar cânticos gregorianos em latim, coisa que fazia quando criança. Ela, nas missas de domingo, tocava órgão, e eu e outra tia, Stela, uma verdadeira soprano perdida nas entranhas do interior das Alagoas, cantávamos. Eram momentos sublimes, aqueles que o ser humano sai da imanência e se dirige à transcendência por alguns minutos. Ah! Que saudade da infância que os anos não trazem mais, dizia o poeta.
Tudo isso foi surgindo no “instante já, Clariciano” por associação com a linda palavra “chêro”. “Chêro” é afeto, afetuosidade momentânea que alguém acalenta, alivia, suaviza as dores do mundo e a indiferença afetiva atual das pessoas ditas pós-modernas. Nos dias de hoje, “Eu te amo, amor” tornou-se um chavão automatizado onde a palavra não está vinculada ao afeto. É um pensar racional, obediente, educado, na maioria das vezes. Pois, então, um “chêro” pra quem sabe cheirar!
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