A aparência dos homens!

           

O que de mim soubestes/ foi somente a cobertura,/ a túnica que reveste/   a nossa humana ventura./ E talvez além do véu/ houvesse um azul tranquilo;/ a vedar o límpido céu/ só um sigilo…/ Se  sombra avistardes, não será/ uma sombra —eu hei de ser./ Pudesse arrancá-la de mim,/ eu vos haveria de a oferecer”.

                      Versos do poeta italiano Eugenio Montale

 

 

 

 O homem, desde seu nascimento luta com a questão de vir-a-ser. Influências internas e externas condicionam e são responsáveis pelo processo de Identidade.

No entanto, é muito difícil ser si mesmo, um Self verdadeiro, como escreveu o psicanalista inglês Donald Winnicott. Ele conceitua que todos nós temos um Self verdadeiro e um falso. Falso aqui, não no sentido de falsidade, mas como defesa do verdadeiro Self. Ser verdadeiro é uma conquista, um processo, uma ousadia acompanhada de muita liberdade e coragem.

Nossos pais e a sociedade imprimem uma força tremenda para que nós sejamos o ideal deles ou dela, e aí nos reprimem, nos obstrui a possibilidade de sermos autêntico, caso contrário somos sentidos como rebeldes, contra, persona non grata.

Imagine, caro leitor, que já não é fácil sermos nós mesmos, quanto mais sermos o Ideal dos outros. Aliás, nunca conseguiremos ser totalmente verdadeiros, somos seres em crescimento, em mudança, em se fazendo a partir de novas experiências na vida.

Nos versos acima do poeta italiano, Nobel de Literatura, vemos a apreensão intuitiva da nossa “cobertura”, assim como também a angústia por um dia “hei de ser eu”. Shakespeare deixou uma frase de impacto: “Ser ou não Ser, eis a questão”! Eu diria que, melhor teria dito se poemasse que Ser e Não Ser é a questão!

Penso que devemos tanto por nós próprios como pelos outros, ser respeitados quando somos e quando não conseguimos ser. A mentira não é uma questão moral; a mentira às vezes é um modo de se defender do medo de Ser. Mentimos para agradar; mentimos para angariar afeto dos outros; mentimos por vergonha de assumir defeitos naturais; mentimos por angústia, pois a verdade sempre dói em nós mesmos e naqueles que nos amam.

O homem sensato, o verdadeiro homem é aquele que pode conviver com suas qualidades e defeitos sem se sentir ameaçado de perder o amor dos outros homens. Nesse sentido, a experiência psicanalítica nos oferece a possibilidade de ser mais verdadeiros sem a culpa de não agradar nossos pais e o meio ambiente que nos cerca.

Não nos confunda com uma sombra, pois detrás dela exige um Self que durante toda a vida quer ser aquilo que acha que deve ser. Com que desespero e angústia o nosso poeta italiano brada em seus versos: “…eu hei de ser/ pudesse arrancá-la de mim,/ eu vou haveria de a oferecer”. Essa metáfora do poeta fica para nós: a angústia por se esconder e o desejo de abrir o coração para sermos o mais verdadeiro que puder.

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