“Compreendo que morrer não seria novidade;
pois já morrera muitas vezes desde a infância;
há perigos externos de eu morrer,
mas também perigos interiores”.
Marcel Proust in “Em busca do tempo perdido”.
A morte é anunciada quando do nascimento de uma pessoa; a morte física, corporal, o corpo que vem ao mundo trazendo em sua bagagem biológica, concomitantemente, vida e morte de suas células, e este processo caminha inexoravelmente durante toda a trajetória da vida.
Vive-se sempre e morre-se sempre durante a vida. Costumo dizer que todas as pessoas, ainda que não tenham consciência, enganam-se quando dizem que têm medo da morte; não se pode ter medo de uma experiência que ainda não se teve; o que realmente está escondido sob o medo da morte é a “angústia da mortalidade”. O que se teme é, às vezes, a consciência de ser mortal. Proust acima escreveu: “pois já morrera muitas vezes desde a infância”. Pura verdade, constatação corajosa de falar e sentir.
É fato, morre-se muito desde o nascimento, mas morre-se por não elaborar os “conflitos internos”, pois externamente é uma questão de sorte e cuidado. O que significa a metáfora dos “perigos internos”? Morre-se em não viver o presente, quando uma pessoa fica encalacrada com lamentações e ressentimentos passados (morte psíquica), ou ocupa sua vida em constantes fabulações sobre o futuro. O tempo que se tem na vida é o tempo do presente.
O passado passou, no entanto, ele pode ser presentificado, só existe esse meio de ter o vivido – no tempo presente; o futuro são projeções de desejos, fantasias do que vai vir, mesmo assim só se vive no presente.
Conclusão, só se tem a possibilidade de viver o aqui e o agora: o passado presentificado e o futuro “alucinado” são experiências de tempo presente.
Essa questão remete a um fato mais importante para se aproveitar a vida – viver, sentir e experimentar o presente – questão nem sempre possível. Poucas pessoas usufruem e tiram proveito do que vivem no tempo presente. Quais as dificuldades? Uma delas é a angústia que se tem de perder o que se tem de fato! Vivenciar o aqui e o agora é experimentar a finitude, a passagem, o trânsito que a vida implica.
Carlos Drummond em seu belo poema —-“Nascer de novo” mostra uma alternativa para se conviver a mortalidade nos seguintes versos: “Não sou eu, sou o Outro/ que em mim procurava destino./ Em outro alguém estou nascendo./ A minha festa,/ o meu nascer poreja a cada instante/ em cada gesto meu que se reduz/ a ser retrato,/ espelho/ semelhança/ de gesto alheio aberto em rosa”