Entidades psicanalíticas alertam para riscos de “massificação” da formação
Membros da Sociedade de Psicanálise de Brasília (SPBsb) marcaram presença na audiência pública realizada pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira (18), para debater a formação de psicanalistas e os impactos da criação de cursos de graduação em psicanálise.
O encontro reuniu representantes de entidades psicanalíticas, parlamentares e instituições de ensino superior, com participação on-line de cerca de duas mil pessoas.

Defesa da tradição formativa
A psicanalista Denise Mello, representante do Movimento Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras – do qual a SPBsb faz parte – alertou para o risco da “massificação” da formação, especialmente em cursos a distância. Para ela, o trabalho do psicanalista exige preparo subjetivo e permanente.
“Se esses cursos de graduação em psicanálise ganharem o aval do Estado, em breve já serão cerca de 21 mil títulos lançados no mercado todos os anos. Isso expõe pessoas em sofrimento a intervenções de quem não tem o devido preparo, podendo induzir decisões desastrosas ou mesmo fomentar um suicídio”, afirmou.
Wilson Amendoeira, da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapsi), fez uma defesa categórica pela formação clássica em psicanálise e destacou que ela é um ofício artesanal, que não se enquadra no modelo acadêmico tradicional.
Segundo o especialista, a formação psicanalítica está apoiada no tripé preconizado por Freud: análise pessoal, estudo teórico e supervisão clínica.
“A psicanálise não é profissão, é ofício. Nós estudamos a vida inteira, trocamos com colegas em supervisões, seminários clínicos, seminários teóricos durante toda a vida e a psicanálise brasileira tem uma produção teórica de peso no mundo todo”, reforçou.
A psicóloga Thessa Guimarães, integrante de coletivos psicanalíticos, lembrou que Freud dedicou sua via e sua obra na defesa da análise leiga, por reconhecer que a transferência se opera no um a um. “Essa mágica, esse encanto, esse acontecimento se opera na dialetização da subjetividade de uma pessoa por outra e não sendo necessário o diploma para garantir a possibilidade do psicanalista funcionar como articulador e oportunizador dessa experiência”, pontuou.
“A formação psicanalítica de se dá num tripé, onde o mais importante é o trabalho com o seu próprio inconsciente e com a sua própria análise. É por isso que o campo psicanalítico brasileiro é contrário à diplomação de bacharéis em em psicanálise, porque é preciso que a transmissão psicanalítica continue acontecendo na experiência um a um, na experiência artesanal, fora da lógica capitalista e da lógica acadêmica”, ponderou Thessa.
Nesse sentido, Luiz Celso Toledo, presidente da Febrapsi, também frisou que o surgimento de cursos que prometem forma psicanalistas em pouco tempo não tem relação nenhuma com as entidades que se dedicam há décadas a formar psicanalistas no Brasil.
O dirigente alertou ainda que o nome psicanálise vem sendo utilizado de forma descontextualizada e, muitas vezes, oportunista, sem que se considere os grandes riscos envolvidos, uma vez que os psicanalistas trabalham com pacientes com potencial suicida, usuários de drogas, psicóticos, com crianças, com casos de autismo severo, entre outros problemas. Dessa forma, descuidar da qualidade da formação no país significa colocar em risco esses brasileiros.
“Em consonância com as mais de 100 entidades que formam um movimento articulação e com as outras entidades psicanalíticas sérias do país, entendemos que a psicanálise brasileiro deve seguir leiga, laica e não regulamentada, no entanto, isso é um aspecto fundamental da questão que a gente está debatendo hoje, ela deve se manter uma atividade que respeite critérios psicanalíticos estabelecidos historicamente e internacionalmente. Conversar sobre como poderá se dar essa preservação da psicanálise Brasília e do cuidado com ela é uma tarefa urgente, bem como encontrar formas efetivas de coibir o uso leviano e frequente que tem sido feito do nome psicanálise para difundir práticas e cursos que não tem nada a ver com ela”, finalizou Toledo.

Instituições de ensino
Em posição oposta, Jorge Luiz Bernardi, representante da Uninter, primeira instituição a oferecer o bacharelado em psicanálise no país, em 2022, defendeu a proposta universitária.
“O curso não forma psicanalistas, mas bacharéis em psicanálise. Assim como o direito forma bacharéis que depois buscam a OAB, nosso objetivo é oferecer formação acadêmica ampla, sem subordinar a psicanálise a outra ciência”, explicou, destacando que a psicanálise, segundo classificação oficial, pertence à área de ciências sociais.
Posição parlamentar
O deputado Tarcísio Motta (PSOL-RJ) avaliou que um diploma não garante qualidade do atendimento em áreas sensíveis como a saúde mental e manifestou preocupação com a possibilidade de cursos a distância.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) criticou o lobby de setores privados de educação, relatando experiências na Comissão de Educação da Câmara. “A ampliação do acesso à psicanálise é desejável, mas a graduação pode se tornar um filão de lucro para instituições privadas. O risco é que o interesse comercial se sobreponha à qualidade e à finalidade terapêutica”, avaliou.
MEC aponta desafios na regulação
Representando o Ministério da Educação (MEC), Daniel Di Aquino Ximenes, diretor de Regulação da Educação Superior, explicou que a pasta “não tem competência para autorizar ou regulamentar o exercício profissional da psicanálise”, mas acompanha a expansão de cursos que envolvem práticas clínicas.
Ele destacou o “crescimento exponencial” da educação a distância, que teve alta de 150% nas matrículas entre 2018 e 2023, e lembrou a edição do Decreto 12.456, de maio de 2025, que endureceu regras para polos de EAD e proibiu cursos totalmente a distância em áreas como saúde, engenharia e licenciaturas.
“Esse debate sobre psicanálise se insere em um quadro mais amplo. É preciso olhar com cuidado redobrado para propostas de cursos que envolvem práticas clínicas ou terapêuticas. O MEC está à disposição para dialogar com entidades e universidades, mas mudanças em políticas públicas exigem processo, construção coletiva e revisão de normas”, finalizou.
