João, você se encantou, com dizia o Rosa das Gerais. Agora você está perto do Jobim, do Vinícius, do Carlos Drummond, e divide sua delicadeza com a delicadeza da prosa poética de Bandeira. Homem simples, esquisito, afetivo, que fez da sua vida a música, o samba transformado em Bossa Nova.
Seu canto foi e será o canto da suavidade, contrastando com a dissonância dos seus acordes, com as síncopes de sua batida famosa e a leveza de sua voz firme e suave. Você levou a música popular brasileira para o mundo desde o famoso concerto do Carnegie Hall.
Distante do frenesi de astros narcísicos, você vivia um mundo solitário, sábio, onde a solitude foi sempre seu grande recurso artístico. Nela você tocava, ensaiava, tocava sempre, e sempre teve a capacidade de interpretar várias vezes uma mesma canção. Você nunca tocou uma mesma canção do mesmo jeito. Nas apresentações você tocava três vezes a mesma música, variando sua voz, seu ritmo e sua harmonia. Sempre sozinho pesquisava, improvisava e interpretava como se fosse uma espiral sem fim, curioso pelo tema e aberto para novas formas, mas mantendo sua batida famosa que delicadamente dava espaço ao seu canto firme e suave.
João, talvez seu “encantamento” seja a oportunidade da juventude lhe conhecer mais, pois você não morreu, pelo contrário, firmou eternamente a presença da forma moderna da música brasileira. Há pouco ouvia “Chega de Saudade”, e pensava que é agora que devemos conservar a saudade, caso contrário estaríamos transformando sua falta em melancolia ou depressão.
É saudade sim que devemos ter por você, pois a saudade é essa presença na falta, esse sentimento que levamos dentro de nós uma pessoa viva. Você não morreu, o mundo lhe reconhece e lhe tem com o mesmo afeto da sua ternura. Simples, vindo do interior do Brasil, da Bahia de Todos os Santos, passando por Porto Alegre, chega ao Rio de Janeiro e cria uma nova forma de tocar e cantar o samba. Daí vai para o mundo, os japoneses que o digam!
Quem não se encanta ao ver João cantando “Corcovado”, na leveza de seu toque, no improviso de Stan Getz, na ternura vocal de Astrud Gilberto e nos acordes do mestre Jobim? Quem não se emociona ouvindo a melancólica “Pra Machucar seu coração”, a graça de suas caretas cantando “O Pato” e a singeleza do seu italiano interpretando “Estate”? Sua imponência ao banquinho, com seus ternos belos e seus pretos sapatos lustradíssimos foi uma tônica da sua presença em palco. E seu ouvido absoluto lutando sempre com os afinadores e diretores de som!
João Gilberto, você sempre será a referência da Música Popular Brasileira. Nas batidas de sua Bossa Nova nosso país se modernizou, na suavidade do seu canto o samba se internacionalizou, no seu refúgio criativo a arte da interpretação musical se expandiu e em seu jeito tímido, rítmico e afetivo o Brasil é um exemplo de sofisticação musical!
Como dizia Vinicius: “Saravá!”