No livro “A Paixão Medida”, publicado em 1980, perto do aniversário dos seus oitenta anos, nosso poeta “Gauche” revela sua extrema sensibilidade para refletir tanto questões filosóficas, afetivas, como sua inserção no mundo exterior.
O Poema que escolho agora é algo que me tomou de susto, angústia e logo certo alívio, pois Drummond revela arranjos novos em sua própria maturidade e a de qualquer ser humano —-nascer mais uma vez na vida. Seu título –“Nascer de Novo” revela uma coragem e ousadia que o ser humano pode e precisa ter para atravessar essa vereda cheia de alegrias e dores que é a vida. Nascer de novo é um ato de transformação necessária para a expansão da vida. Antes de se alongar no meu improviso, vamos ao poema em si: “Nascer: findou o sono das entranhas/Surge o concreto./a dor de formas repartidas./Tão doce era viver/sem alma, no regaço/do cofre maternal, sombrio e cálido./Agora,/ na revelação frontal do dia,/ a consciência do limite,/o nervo exposto dos problemas.
A beleza melancólica dessa primeira estrofe revela a dor do vir ao mundo, entendendo-se isso como uma experiência traumática que lança o ser humano para fora do “paraíso uterino”, para uma “fantasia de segurança plena” que durante toda a vida ele vai procurar resgatar, ilusão necessária para o caminho até a “estação final”. O choque de realidade é “frontal”, é contundente, pois a realidade se impõe na consciência da primeira separação. O Itabirano continua sua provocação na segunda estrofe: “Sondamos, inquirimos/sem resposta:/Nada se ajusta, deste lado,/ à placidez do outro?/É tudo guerra, dúvida no exílio?/ O incerto e suas lajes criptográficas?/ Viver é torturar-se, consumir-se/ à míngua de qualquer razão da vida?”
Além da dor da separação implícita ao Nascer, o poeta mostra os espantos, o sentimento persecutório e o medo do novo, do desconhecido. Incerteza, mistério e dúvida, disse o poeta J. Keats em carta ao seu irmão! Curiosa essa metáfora do “exílio”! Estamos exilados em nossa própria realidade? O exílio, a perda do paraíso, a expulsão através da força muscular uterina, tudo isso, propiciam a entrada na “humanidade” e a perda da “vida angelical”. Somos realmente “anjos caídos” como afirma Harold Bloom. Somos seres destinados a estar nascendo e renascendo sempre. Nunca seremos acabados a não ser na morte; somos transeuntes, circenses, viajantes, por todas as “veredas da vida” que o Rosa de Minas, o Guimarães, na fala de Riobaldo escreveu: “que o maior medo é o de nascer e não de viver nem de morrer”.
“Eis que um segundo nascimento,/não adivinhado, sem anúncio,/resgata o sofrimento do primeiro,/e o tempo se redoura./ Amor, a descoberta/de sentido no absurdo de existir./ O real veste nova realidade./ a linguagem encontra seu motivo/ até mesmo nos lances do silêncio.
A explicação rompe das nuvens,/ das águas, das mais vagas circunstâncias:/Não sou eu, sou o Outro? Que em mim procurava seu destino./ Em outro alguém estou nascendo./ A minha festa/ o meu nascer poreja a cada instante/ em cada gesto meu se reduz/ a ser retrato,/ espelho,/ semelhança/ de gesto alheio aberto em rosa”.
Aqui termina o poema de Drummond; termina como uma espécie de “ressurreição”, de transformação do mesmo eu em outro(s) eus, buscando sentido, destino e “festa”. A festa sempre perene dos renascimentos em vida, dessa capacidade de se renovar e de saber que a vida é um vir-a-ser, que ninguém está acabado, pronto e definido. O “aberto em rosa” do poeta é a metáfora das mil transformações que podemos fazer com a aprendizagem na experiência do viver.