A angústia da contemporaneidade é resultante das atuações de partes perversas do narcisismo de morte, segundo André Green. Não vivemos mais a prioridade das formações simbólicas das neuroses e sim as angústias, o sofrimento de um vazio, de estados depressivos que refletem um desinvestimento radical do impulso amoroso (libido), provocando distúrbios de identidade, de ameaça de desmoronamento do EU e de formações patológicas sem expressão simbólicas.
Este narcisismo de morte (egoísmo destrutivo) em conluio com um Super Eu cruel, satânico, apontando para um ideal do ser humano, criou na sociedade pós-moderna uma corrida para o consumo, para as satisfações materiais, deixando de lado a existência humana como uma forma de ser no mundo, onde o animal-humano pudesse ser mais humano que animal.
A Psicanálise, os psicanalistas ficaram mais atentos – hoje a ordem é “consumir psicanálise”, na fantasia de uma felicidade oceânica, na fantasia de que a psicanálise possa oferecer a felicidade com ausência de conflito, quando de fato, a psicanálise é uma investigação para subsidiar aos analisados facetas do seu funcionamento mental. Sabendo como se funciona, pode-se administrar de modo mais adequado às angústias existenciais e patológicas.
Wilfred Bion, psicanalista contemporâneo, indiano de formação inglesa, nos alertou: a psicanálise não é algo que se consume, que se faz; a psicanálise é uma experiência em parceria, que se experimenta, que se sente; uma tentativa de resgate dos afetos e, por isso não é um objeto de consumo, um produto de marketing, uma nova droga da felicidade.
Daí a nossa preocupação com a formação de psicanalistas, pois é na formação (em média seis anos de estudo teórico e clínico) que aparece a oportunidade e a experiência de viver o processo psicanalítico como uma possibilidade de melhorar a qualidade psíquica do pretendente e, como nos alertou Freud desde o início, dar uma qualidade mais científica, humana, técnica e criativa. Diga-se de passagem, qualquer candidato a ser psicanalista faz no mínimo seis anos de análise pessoal, de alta frequência.
Se faz sentido o fato que vivemos uma época na qual predomina questões profundas de ética humana, é na experiência psicanalítica que podemos dar uma nova qualidade ética ao ser humano, pois a ética não somente emana de normas, de regulamentos, de leis e de ordens jurídicas, mas sim, do jogo dinâmico do mundo internos das pessoas. Se os arranjos das questões narcísicas e edípicas apontam para relações interpessoais sob a primazia da destrutividade, das formações sádico-masoquistas e das atuações perversas e psicóticas, a ética vai ser regida no mundo de relação, de uma maneira perversa e psicótica. O exemplo gritante são as condutas a-éticas e as perversidades dos poderes instituídos. Daí também os pseudos-analistas, carentes de elaboração de suas partes neuróticas, perversas e psicóticas, vão atuar no mundo externo, na sociedade, exercendo uma psicanálise distorcida, consumista, em um vazio de significado e sem possibilidade de favorecer crescimento, curiosidade criativa e formações sublimatórias em direção à primazia da vida.
Penso que nós analistas, nesse momento, nesse milênio, temos a responsabilidade para com a sociedade civil de cuidar da prática de uma psicanálise que privilegie a criatividade, a expansão do conhecimento psíquico, através de mais contato e intimidade com o Inconsciente dos nossos analisandos. Não temos compromisso em oferecer soluções mágicas, onipotentes, religiosas e morais. Temos compromisso em expandir o conhecimento da realidade psíquica, para que possamos lidar de modo mais criativo com nossos conflitos; para que possamos criar arranjos de mais liberdade interna, nos enganar menos, tolerar nossa “loucura pessoal” e tirarmos proveito dela para um convívio menos sofrido dentro de nós mesmos e nas relações interpessoais.
A formação de um analista repousa na prioridade de sua análise pessoal, no desenvolvimento da arte analítica através da experiência compartilhada da análise de supervisão (Pierre Fedida), psicanalista francês, para que possamos manejar as teorias e a teoria da técnica, não como credos ou imposição do super-ego institucional, e sim como uma oportunidade, uma possibilidade de propiciar mais sanidade, liberdade, autonomia, improvisação e criatividade na pessoa do analista. Se análise é uma condição que propiciar função auto-analítica, a formação de um psicanalista deve apontar para criar espaço à liberdade de ser psicanalista, e não para “criar ovelhas” que passem o resto das suas vidas orientadas e monitoradas por pastores.
Acredito até, que todos nós hoje reunidos, temos uma parcela de responsabilidade quanto ao que está acontecendo, pois negligenciamos, descuidamos, negamos nossa responsabilidade civil, ficamos por demais nas nossas ilhas autísticas, onipotentes e pretensiosas, supondo não haver responsabilidade em cuidar daquilo que tanto nos esforçamos em fazer. Agora é hora de cuidarmos da Psicanálise e nos protegermos para que grupos liderados por falsos psicanalistas, de formação precária, facções políticas e religiosas não se arroguem de estabelecer padrões de formação para psicanalistas, sem qualquer cuidado ético, técnico, científico e principalmente humano.