A capacidade em estar sozinho

“Estou sozinho de olhos abertos para a escuridão, estou sozinho. Estou sozinho e nunca aprendi a estar sozinho, estou sozinho.
Sinto falta das palavras, estou sozinho, estou sozinho. Sinto falta de uns olhos onde possa imaginar. Estou sozinho. Sinto falta de mim em mim. Estou sozinho, estou sozinho. Estou sozinho.”
José Luís Peixoto, in “A criança em ruínas”.

Donald Winnicott, psicanalista inglês, especializado em psicanálise da criança, sempre advertiu em sua obra que os pais geralmente têm dificuldade em proporcionar aos filhos momentos para estarem-a-sós. Um fundamento dessa dificuldade reside na angústia de separação, ou seja, também os pais não lidam adequadamente ou ficam muito desesperados quando vivenciam o sentimento de solidão.

Solidão sempre está associada com angústia de abandono, o que não é verdade. Estar-só é um direito e um recurso para que a pessoa saiba conviver consigo mesmo, suportar o vazio, o nada existencial, ser companheiro de si próprio. Nosso poeta acima frisa: “estou sozinho e nunca aprendi a estar sozinho…”.

Sabe-se que ao nascer, qualquer ser humano se defronta com a possibilidade do abandono, do desamparo, do não acolhimento; e realmente, às vezes, isso acontece de fato, o que incrementa o pavor à solidão. No entanto, também é verdade que, caso sejamos menos destrutivos constitucionalmente e tenhamos uma mãe presente, ou qualquer pessoa com função maternal, a capacidade amorosa é introjetada e começamos, dessa maneira, a constituir um mundo interno povoado prioritariamente de pessoas boas. “sinto falta de palavras… sinto falta de uns olhos…” são expressões metafóricas usadas no poema acima e que nos remete a pensar na importância do Outro no feitio da nossa identidade e personalidade.

Num dos poemas de Drummond, ele se dá conta que dentro dele habitavam um número razoável de pessoas que o amava e que ele também tinha uma afetuosidade por elas: desde esse dia o nosso Itabirano entendeu que poderia ficar só, pois com ele mesmo ele não estava abandonado, nem por si próprio.

André Green, psicanalista francês, criou um conceito de “narcisismo de vida” em contrapartida com o “narcisismo de morte”. O que significa? Significa que temos de conservar, dentro de nós, um egoísmo de vida, aquilo que proporciona amor-próprio. Ato contínuo, quem tem amor próprio sempre estará acompanhado de si mesmo, pois o que neutraliza o sentimento de abandono é a capacidade amorosa.

Ter amor próprio, querer ficar, às vezes na solidão, no que eu chamo de “estado autístico normal”, é uma necessidade para o crescimento de qualquer pessoa. Vez por outra, penso que se nos amamos a nós próprios (egoísmo de vida), caso venha amorosidade do Outro já é lucro, mas é bom que venha, pois a vida se dá na relação social, no compartilhamento, no respeito à alteridade. São João da Cruz sempre dizia que: “quem não tem amor no coração, sofre de solidão (abandono, nesse sentido).

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