Amor e ódio da mãe pelo bebê

No artigo de Freud “Os Instintos e suas Vicissitudes”, ou seja, o caminho que as forças instintuais vão tomar formas em nossas vidas, ele conjectura que somos feitos de um tecido psíquico composto de amor e ódio. Há controvérsias se o ódio aparece logo ao nascer ou se vai se manifestar após o Eu está mais integrado. 

Donald Winnicott, psicanalista inglês do século passado, homem dedicado à clínica da psicanálise de crianças e aos  estudos sobre a observação do funcionamento mental dos bebês, relação mãe-bebê, e aos aspectos de amor e ódio na pessoa humana, escreve: “À medida que o bebê se torna capaz de sentir que é uma pessoa total (integrada), a palavra ódio passa a ter significado como uma descrição de um certo grupo dos seus sentimentos.” Isso significa que a pessoa humana não está isenta, desde o início, de experimentar amor e ódio.

Hoje quero focar no ódio das mães. Ainda que isso possa parecer forte demais ao leitor, é verdade experiencial que as mães têm sentimentos agradáveis (amor) e desagradáveis (ódio, raiva, etc.) pelo seu filho infante. Aliás, diga-se de passagem, que toda pessoa frustrada pode ser acometida de ódio e raiva como reação ao desapontamento. Os bebês, evidentemente, satisfazem suas genitoras, mas também as decepcionam, frustram e desapontam.

Perceba, leitor, algumas ideias interessantes e sérias sobre o funcionamento mental de uma criancinha. É desse ementário de atitudes que  Winnicott, com muita coragem e ousadia, vai falar da raiva e do ódio das mães a seus filhos.

1 –  O bebê representa um perigo para o seu corpo durante a gravidez e o parto.
2 –  O bebê é uma interferência na sua vida privada, um desafio à preocupação.
3 –  O bebê machuca seu mamilo mesmo quando mama, que é inicialmente uma atividade mastigatória.
4 –  Ele é grosseiro, trata-a como uma pessoa qualquer, uma empregada não remunerada, uma escrava.
5 –  Ela tem que amá-lo, de qualquer forma, com excreções e tudo, no início… Ele tenta machucá-la, morde-a periodicamente, tudo por amor.
6 – Ele se mostra desiludido com ela. Seu amor excitado é interesseiro e a joga fora como uma casca de laranja, quando consegue o que quer. O bebê deve dominar inicialmente, deve ser protegido contra coincidências, a vida deve se desdobrar de acordo com seu ritmo e para tudo isso é necessário que sua mãe empreenda um estudo contínuo e detalhado… No início, ele não tem idéia do que ela faz ou sacrifica por ele, especialmente não pode admitir seu ódio. Ele suspeita de tudo, recusa sua boa comida, faz com que ela duvide de si mesma, mas come bem com a tia; depois de uma manhã horrível com ele, ela sai e ele sorri para um estranho que diz: “Não é um doce?” Se ela o frusta no início, sabe que ele vai tirar a desforra para sempre.

Pode parecer um absurdo o que escrevo! Alguém que me lê pode está pensando: esse psicanalista é louco, é desmedido, dizendo que mãe odeia ou tem raiva de filho.”Aquela pessoinha tão lindinha, bonitinha, meu querido filho que eu adoro, como posso ter sentimentos tão horríveis para com ele?”

Esse foi o legado que Freud nos deixou: ele mostrou tanto os sentimentos sublimes e belos, quanto os mais horrendos e violentos da pessoa humana. Somos, antes de tudo, sempre repito: um animal-humano, para que não nos esqueçamos que durante toda a vida temos de cuidar do “bicho” que existe dentro de nós. Isso se chama Civilizar, civilidade, civilização.

Escrevo essa Coluna de hoje, não para espantar a mãe que está lendo, mas para dar consciência para que elas não se culpem tanto, não se amargurem, pois não é fácil aprender e desenvolver a função materna. Não se nasce mãe, aprende-se a ser na experiência diária de alegrias e tristezas com os filhos, desde pequenos. Eles não fazem de propósito, é por sobrevivência, por amor, mas às vezes o amor é “amor de carcará”, ou seja: pega, mata e come.

Há que se refletir os itens acima citados pelo Dr. Donald Winnicott, afinal ele e seus seguidores, estudaram e ainda estudam a complexidade das relações entre filhos e mães e vice-versa. O “incondicional amor de mãe” é importante para a feitura da personalidade de um filho, mas amar significa desprazer também. Amor-Ódio é um conjunto, um não exclui o outro. Ama-se e odeia-se a mesma pessoa: a questão preocupante é quando o ódio predomina! Aí sim, é um fato digno de mais observação e reflexão.

Ser mãe é doação, mas também é um sacrifício pesado, pois exige uma grande quantidade de renúncia à vida própria, principalmente no início. Aprendo na vida e na minha experiência na clínica psicanalítica, que Gratidão não se deve exigir. Esperar sim, mas exigir não, pois gratidão é um sentimento complexo,  às vezes se tem ou não. Amorosidade,  dedicação, cuidado e preocupação podem gerar atos gratos, mas não os determinam. Espera-se , caso venha, é lucro. Não damos para cobrar, para criar crédito pessoal, para passar “na cara” caso não sejamos reconhecidos. Damos por amor e por generosidade. Do contrário, não é uma relação amorosa, e sim, uma relação comercial de crédito e débito.

Enfim, caro leitor, aprendemos com os ensinamentos da Psicanálise: a mente humana é bela, maravilhosa, amorosa, mas concomitantemente é diabólica, traiçoeira, e às vezes até perversa. A existência dos Afetos deve sempre ser objeto das nossas observações, principalmente das mães, pois o que se quer, humana e cientificamente, é que possamos tirar proveito do aprender com a experiência  para sermos mais felizes ou menos sofridos nessa vida tão complexa e misteriosa. Amar e odiar é uma conjunção, uma experiência de natureza dialética. O amor não exclui o ódio, nem o ódio faz desaparecer o amor: o importante é que a destrutividade e a violência não predominem sobre o amor, o respeito e a consideração afetiva com aqueles que amamos.

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