As lágrimas que a política não chora

Um novo escândalo, um novo desafio, uma nova esperança. Esperança de justiça, mais um alvorecer de transparência da prática secular da corrupção. Nosso país traz na história desde o Império essa prática hipócrita, onde os meios justificam os fins, desde que os governantes, a classe burguesa, aristocrática e capitalista venha trazendo sempre vantagens para o enriquecimento ilícito e a realização da voracidade implacável.

Os nobres deixaram seus vícios aos senhores de engenho, estes passaram suas astúcias a uma grande parte dos empresários, ato contínuo, os políticos herdaram seus poderes de barganha, e os governantes, nem todos, é claro, usam o mesmo modelo e transformaram o país numa oportunidade de tirarem proveito próprio num estilo político que se estendem desde as prefeituras e desembocam no asfalto gélido do Planalto Central.

Nunca houve sinal de lágrimas denunciadoras de culpabilidade própria, pois a culpa é o meio de iniciar o processo de consideração pelos outros, de se colocar no lugar de pessoas vilipendiadas, sofridas, carentes, faltantes e precárias em seus tão decantados Direitos Humanos. Claro que houve progresso, no entanto ainda meio bárbaros.

“Do mesmo modo ( palavras sábias e de experiência vivida do mestre Antonio Candido, nosso ícone da Literatura Brasileira), os políticos e empresários de hoje não se declaram conservadores, como antes, quando a expressão “classes conservadoras” era um galardão. Todos são invariavelmente de “centro” , e até de “centro esquerda”, inclusive os reacionários”. Merece salientar que o Prof. Candido escreveu isto nos idos de 1944, recentemente publicados, em edição portuguesa pela Editora Angelus Novus, Coimbra, sob o nome de: ”O Direito à Literatura e Outros Ensaios”.

Progressos tecnológicos e economicos, claro que existem continuam existindo(?), mas “nesse sentido, talvez se possa falar de um progresso no sentimento do próximo, mesmo sem a disposição correspondente de agir em consonância. E aí entra o problema dos que lutam para que isso aconteça, ou seja, entra o problema dos direitos humanos”, adianta em seu Ensaio, Antonio Candido.

Para nós, psicanalistas, não há progresso humano sem elaboração da Culpabilidade, sentimento consciente e inconsciente de injuria ao próximo e a quem amamos(?).

Se os corruptos dessa Nação derramassem um tanto de lágrimas pela desprezo, desconsideração, insensiblidade afetiva, falta de compromisso de sua função social, e sim Depressão com Reparação, mas isto é quase um ideal nunca alcançável. A inveja e a voracidade dos mesmos, em conjunção com seu Narcisismo patológico, impedem que o “sal das lágrimas vertam por entre seus olhos”. As lágrimas, a depressão, a tristeza, o vazio e a falta de sentido na vida, como também da esperança, tudo isto, residem nos corações das minorias, cansadas de ver o solo não ficar fértil após as andanças eternas dos personagens de Graciliano Ramos, pelejando pelas terras sertanejas sem acreditar no “verde” da terra que lhes prometesse a possibilidade de mudar sua vida, homens vencidos pela ganância dos seus patrões.

Estamos assistindo atualmente a falência de uma estrutura política que não substitui simbolicamente o porto-seguro dado pelas funções maternas e paternas. O Estado, as Instituições Sociais, a Justiça, não que nos infantilizem, sao “pais e protetores substitutivos” com uma função simbólica de prover meios para a sobrevivências dos nossos direitos humanos. Mas será que eles sabem chorar também? Sabem se colocar no lugar dos menos favorecidos? A maioria dos filhos dessa Nação estão abandonados! Temos experiência que começam a mudar, principalmente com a pressão de homens da Justiça que não fazem parte dos “Senhores de Engenhos própria Justiça”. Novas mentalidades aparecem, novos Juízes, Procuradores, Ministros, começam a “chorar o sofrimento alheio” e defender, sem medo de retaliação dos poderosos que usam a velha expressão paternal —-“Ganhar no grito usando seu autoritarismo em prol da classe dominante e canibalística”.

João Cezar de Castro Rocha, na introdução de uma bela coletânea de crônicas, editadas em vários volumes por títulos que vão da Música à Desrazão, escreve o que um dia, o nosso Machado de Assis, ícone da Literatura Universal , “anotou (para a posteridade?): O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem de seu tempo e de seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”.

Numa de suas crônicas de Machado —-“Tempo de Crise” (publicado em Jornal das Familias (abril de 1873), em seu primeiro parágrafo, ele escreveu: “QUERES TU SABER, MEU RICO IRMÃO, a noticia que achei no Rio de Janeiro, apenas pus pé em terra? Uma crise ministerial. Não imaginas o que é uma crise ministerial na cidade fluminense. Lá na província chegam as noticias amortecidas pela distancia , e além disso incompletas, quando sabemos de um ministro defunto, sabemos logo de um ministério recém-nato. Agora a coisa é diversa: assiste-se à morte agonizante, depois ao enterro, depois ao nascimento do outro, o qual muitas vezes, graças às dificuldades políticas, só vem à luz depois de uma operação cesariana”.

Que, por entre os canais lacrimais, o sal e o choro sejam esperança de uma “reparação culposa” de alguns governantes e políticos para darem uma solução ao desespero, à angústia da falta de credibilidade, as dores contorcidas dos que acreditavam num “ crescimento sustentável e no pais educador”. O mais sofrido dos terrores do bebê é quando ele se defronta com a AUSENCIA DO PEITO ESPERADO —– A MÃE QUE LHE FALTA E O PAI QUE AINDA NÃO ENTROU EM CENA.Nosso país, “brilhante pela sua natureza”, nunca precisou e necessitou de homens, estadistas, democratas e de que carreguem em seus corações: sabedoria, astúcia, amorosidade, respeito, acolhimento e sentimento de amor à Pátria e aos seus habitantes. Aquilo que distingue um homem público é a capacidade de se colocar no lugar do “outro”, e não transformar sua profissão de governante ou político numa forma de triunfo próprio e desafeto ao sofrimento da sociedade.

Em sua magistral peça “O Rei Lear”, W. Shakespeare nos adverte: “Se os céus não enviam rapidamente seus anjos vingadores para reprimir tão vis ofensas, o Caos virá. Os homens se entredovorarão como monstros do abismo”. (IV,2), in “ O mundo fora de prumo”, livro de José Gareez Chirardi —Transformação social e teoria política em Shakespeare. Editora Almedina, São Paulo.

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