“para não sofrer/ lembro que existo em mim/ diferente
do que existo em você./ desexisto, logo/ suporto que desista de mim.”
Liana Ferraz in “Poemas de Amor no Divã”
As lágrimas caem por sobre a falta, corrosivas permanecem na pele ferida, na pele trêmula de desespero do não ter. A falta, espaço ainda vazio, a ser preenchido? Nunca se tem tudo, mesmo que se tenha muitas qualidades e coisas, a completude é algo do Divino, só os Homens não suportam a limitação, a humanidade que repousa alegre e triste na imanência. Quando se revoltam, quando se sentem injustiçados, apelam para a transcendência! O desespero humano e a condição de não onipotência, onisciência e onipresença criam o delírio místico ofertado pelas religiões ou transformam o poder, o dinheiro, a sexualidade, o domínio em arranjos aflitos, caso contrário, maculam a humanidade como uma condição negativa. A polaridade atual do nosso tempo vem sendo uma forma brutal, animalesca, prepotente em afirmar que a verdade está em cada lado. Polaridade é bem diferente de paradoxo.
Albert Camus em seu caderno “Esperança do Mundo”, escreve: joie de vivre (alegria de viver) é marcada pela consciência da contradição entre o desejo humano de durar e sua condição fadada a perecer. Os fragmentos trazem então esses movimentos de constante fim e recomeço, de luz e de escuridão, lucidez e absurdo.” —–
Retomo à falta. Outro dia, Maria, que namorava Antonio, afirmou com forte convicção que jamais seria alguém na ausência dele. Pensei: então, o alguém de si mesma não era ela própria, não suportava que desistissem dela para que pudesse ser ela mesma. “Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação a ser? E, no entanto, não há outro caminho. Como se explica que o maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra coisa ––– como se antes eu tivesse sabido o que era! “Por que é que viver é uma tal desorganização?“, escreveu Clarice Lispector em seu maior texto “A Paixão Segundo G.H“.
Maria ainda não sabe o que é ser e não ser, sem que caia numa angústia de fragmentação, de possibilidade de dissolução em sua vida. O colega Alexandre Patricio de Almeida, no livro em parceria com Liana Ferraz (ver acima), lembra, em suas leituras, que “ Freud se pergunta o que acontece com o amor desmesurado por si mesma que caracteriza o narcisismo primário da criança quando, depois de adulta se depara com as frustrações impostas pelo mundo externo. O autor considera que o ser humano não pode dispensar o desejo de perfeição narcísico original de sua infância… aquilo que o adulto projeta diante dele como seu ideal nada mais é o que o substituto do narcisismo perdido da infância”.
Voltemos, caro leitor, a questão da falta, ou melhor, da fantasia de completude ––– isso é coisa do Divino, e não nossa, humanos.