Após a modernidade, a linguagem adquiriu uma forma nova, aparentemente estranha, mostrando uma maneira de se comunicar, que Carlos Drummond expressou como “tempo de homens partidos”. Partidos num sentido de uma “psicopatologia ideo-afetiva”. A linguagem simbólica das neuroses se transformou numa linguagem mais próxima à linguagem pré-psicótica onde a fala deu lugar ao ato, às expressões
corporais, psicossomáticas, ao silêncio, enfim, uma dificuldade de expressar traumas precoces e estados traumáticos atuais. Nossos analisandos passaram a ter dificuldade de comunicar seus estados afetivos, exigindo desse modo um psicanalista mais equipado para apreender o não simbólico, a “coisa”, o nada, ou seja, o pré-verbal.
A angústia sem nome de Wilfred Bion, os estados pré-primitivos da mente de D. Winnicott, o resgate dos conceitos de Sandor Ferenczi, o conceito de Fronteiriços de André Green, e tantos outros psicanalistas que se dedicam e dedicaram a estudar os primórdios da realidade psíquica são unânimes em apontar, claro, além de S. Freud, que a angústia básica do ser humano está estreitamente ligada às experiências primitivas da relação bebê-mãe e todas as pessoas que exercem a função materna e paterna. É nesse momento inaugural que se instalam os “traumas psíquicos”, determinando consequências graves posteriormente. A privação psíquica, o excesso de estímulos afetivo-sexuais, a ausência ou a presença exagerada da mãe, a patologia perversa dos genitores, os abusos sexuais, a incapacidade dos pais em acolherem às angústias terroríficas do bebê, todos esses fatores são responsáveis pelos distúrbios de
linguagem e a vida afetiva do Ser.
A narrativa desses estados está hoje contida tanto nas pesquisas psicanalíticas como nas obras da literatura universal e brasileira. Autores como James Joyce, Virginia Wolf, J. L. Borges, Marcel Proust, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Carlos Drummond e tantos outros, descrevem em seus textos, em forma de poesia e prosa poética, os estados antes mencionados. Aponto tais autores como pessoas geniais que podem contribuir e ensinar aos psicanalistas, métodos e experiências de observações pessoais no sentido de apreender a linguagem moderna e a realidade psíquica dos analisandos da atualidade.
Drummond em seu poema “A procura da poesia” nos escreve: “Chega mais perto e contempla as palavras./Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra/e te pergunta sem interesse pela resposta/ pobre ou terrível, que lhe deres:/Trouxeste a chave?”.
Wilfred Bion em “Bion em New York e São Paulo (1980)” faz um desafio aos psicanalistas: “No
consultório, analista e paciente são dois animais assustados e perigosos. Esperamos que um deles seja menos do que o outro; o problema, entretanto, não é a violência instintiva, mas a inadequação do que
denominamos ‘mente’”.
Benedito Nunes, filósofo e crítico literário, num artigo sobre Clarice Lispector denominado “A narração desarvorada”, escreve: “Depois desse mergulho no subsolo escatológico da ficção, nas águas dormidas do imaginário, comuns ao sonho, aos mitos e às lendas, a voz reconstruída de quem narra só poderá ser a voz dubitativa, entregue à linguagem […] aos poderes e à impotência da linguagem, distante e próxima do real extralinguístico indizível”.
A própria Clarice Lispector, em “A paixão segundo G.H.”, revela a angústia atual nesse belo e poético
fragmento: ”…alivia minha mente, faze com que eu sinta que tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar não é morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte […], faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma também incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso […]”.