A vida só faz sentido no hoje, no aqui e agora, na hora presente. O passado é um tempo presentificado nas lembranças e memórias afetivas; o futuro é a expressão dos desejos, a ficção do querer. Só existe um tempo — o presente, o aí-da-existência, o dia a dia, que constrói o Ser. A vida é imanência, a transcendência é divina.
Hoje eu vi uma menina. Linda, loira, dos olhos esverdeados, em plena rua, sentada no batente da calçada, pedindo um pão para comer. Fomos a uma lanchonete, comia com um voraz ímpeto de quem agonizava. Sozinha, dizia-me que sua mãe perambulava pelas avenidas procurando homens para se vender, a única forma de levar pouca comida para casa. A prostituição é uma profissão escrava da perversão do capitalismo selvagem.
“Come menina! Leva mais um pouco de alimento”. Sabendo que um ato isolado de compaixão não transforma uma sociedade, mas reflete uma dor humana diante de uma condição inumana. Os bichos comem o que encontram pelas ruas, matas e selvas; o animal humano precisa implorar, chorar, roubar, assaltar, tudo para sobreviver.
Quem somos nós, os burgueses, profissionais empregados, profissionais liberais, ricos de berço, políticos, governadores, empresários, animais-humanos que se recusam a sair de suas zonas de conforto para não lutar por uma sociedade mais justa? Perdemos a noção da alteridade, vivemos numa bolha egocêntrica anestesiados afetivamente, onde o capital é a meta maior e a compaixão não é virtude. Esquecemos que compaixão é intuir e sentir que o que acontece com o próximo, acontecerá também conosco. Do jeito que as condições políticas e sociais caminham, logo será a nossa hora de “falência física, psíquica e econômica”. Aliás, já vivemos consideráveis falência psíquica quando as estatísticas mostram a depressão e a doença do pânico levando a classe média e alta aos consultórios de psiquiatras e psicanalistas. O homem do século XXI é um homem já desesperado, com vivências de fim de mundo, vazio existencial e iminência de crises psicóticas de colorido esquizoafetivas.
Sinta, prezado leitor: nosso Brasil dos carnavais e, por incrível que pareça não mais do futebol, é um país que ainda acredita num Salvador. O coronelismo, os partidos de extrema direita e esquerda ainda alucinam ser esse Salvador, numa briga constante pelo poder “divino” onde a diversidade de ideias é rejeitada como se a verdade última estivesse no extremismo psicótico e não na democracia. Não há esperança política e sim conchavos partidários em função do poder de governar.
Aquela menina linda, de olhos verdes, jamais será considerada uma metáfora se continuarmos a eleger políticos corruptos e falsos profetas sem nenhum sentimento de compaixão e sim de instintos vorazes, canibais, aperfeiçoados a usar o erário público para distribuir entre os seus afilhados e compadres. A República (coisa pública) ainda está travestida de um Colonialismo oriundo dos portugueses.
— Filho, comprime teu choro, encolhe teu estômago, tenta dormir que mainha vai rezar. Talvez Deus nos ouça!
— Mainha, eu não tenho mais fome, o que tenho é ódio, e não sei o que fazer com ele. Se dormir, posso ter pesadelos e quem sabe não acordar.
As lágrimas pétreas da mãe escorriam sem fé e esperança. O tempo presente é o tempo de Nada, do Vazio, da revolta de Camus e do diabo na rua, de Guimarães Rosa, sem falar nas Vidas Secas de Graciliano Ramos. O horror dessa crônica é o horror das classes privilegiadas que já pululam nos pesadelos da depressão e no pânico do de vez em quando.