Geédcer (Geralda)

O arabesco em forma de mulher/ balança folhas tenras no alvo/ da pele./
Transverte coxas em ritmo, joelhos em tulipas./ E dança repousando./
Agora se inclina/ em túrgidas, proeminentes colinas.”
Carlos Drummond de Andrade in “Corporal”.

A finitude revela a dor da existência do Ser. O fim do Ser não é a possível morte, é o anuncio da vida terra, mas é sobremaneira a possibilidade da lembrança eterna dentro dos que amam e que ainda estão por ir.

Você nasceu no grupo escolar, através de um acróstico como pedido de namoro. Cinquenta anos de idas, vindas e voltas, permeados pelo meu Ser cigano, viajante, inquieto, volúvel, amante, mas hoje reconhecendo que como Dante achei minha Beatriz, ainda que nunca havia me dado conta dessa evidência. Ainda que tenha lhe ferido às vezes, não cabe lhe pedir perdão, cabe me perdoar resgatando na internalidade do meu ser as suas virtudes, benevolência, generosidade e antes de tudo a alma guerreira que ainda é. “Viajar é notícia de que ficamos sós à hora de nascer?”, pergunta o nosso poeta itabirano. A sua fortaleza não me deixa abandonado, deixa-me só, mas com o patrimônio interno que herdo e talvez vá herdar da sua pessoa querida.

Horas e mais horas de insônia e angústia vivemos nesses vinte anos. Os seus pulmões iniciaram um ritmo de adágio, mas mesmo nos movimentos lentos, o allegro ma no troppo não deixou de dançar a música da vida, da coragem, da ousadia e do amor pelos seus. Uma bela sinfonia em seus clássicos quatro movimentos.

Amar como você ainda ama tem um sentido maior e ensina que o amor verdadeiro sempre renuncia um narcisismo perverso, uma relação de uso e uma flor que só se ama e não conhece a alteridade das outras rosas.

Nesse momento de possibilidade dolorosa de perda, existe também como consequência da sua fortaleza, a esperança de vida e de valorizar a beleza do existir. A dor é corroída pelo ritmo pulmonar, no entanto, os poucos de ar que ainda são ventilados emitem fluxos de grandeza e força.

No poema de Drummond —-“Qualquer tempo”, a singeleza poético-filosófica do “mineiro-carioca” poetisa: “Qualquer tempo é tempo./ A hora mesma da morte/ é hora de nascer./ Nenhum tempo é tempo/ bastante para a ciência de ver e rever./ Tempo, contratempo/ anulam-se, mas o sonho resta,/ de viver”.

Ah! Que saudade dos dias ensolarados onde os raios e as sombras transformavam o mar de Maceió em águas multicoloridas desenhando a beleza de um arco-íris, não no céu, mas na superfície marítima.

Benditos os dias de amor como também os momentos de desavenças, paradoxo real de qualquer relação afetiva! Malditos meus dias de intolerância, de egoísmo e até de desrespeito, mas a alma dos amantes não se vacinam de sentimentos de ingratidão, insatisfeita por exigir que o amor ideal é a procura sempre de uma Beatriz que fez de Dante um eterno viajante, passando pelo purgatório e pelo inferno sem reconhecer um paraíso também aqui embaixo, na terra dos mortais.

Geédcer, apelidada de Geralda, pois os nordestinos têm um hábito de neologismos incomuns, não são duas pessoas, é a essência pura de um só Ser!

Nessas horas, onde as fibras do meu órgão cardíaco choram o adágio crepitante dos seus pulmões, instalam-se esperanças e alucinações de ressurreição em vida, trazendo horas melhores, tendo consciência plena de que tudo nessa vida é por um fio, mas sua vontade e disponibilidade de viver é uma corda elástica da potência de um Ulisses.

Vai seguindo em demanda de seu rastro,
é um tremor radioso, uma opulência
de impossíveis, casulos do possível”
Carlos Drummond, o eterno Gauche.

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