Algumas pessoas podem ter a própria noção de ser por si próprio, e outros necessitam que alguém possa dizer o que ela seja. A questão da identidade é mais profunda, pois requer um desenvolvimento psíquico que começa na infância pela imitação, pelo mimetismo, pela aquisição dos valores morais e ambientais e, principalmente pela introjeção das figuras parentais.
É bom não esquecer os fatores genéticos também. Isso requer que os pais, a familia, o Estado, as leis e a cultura possam ser objetos para identificações gerando condições para o desenvolvimento da identidade. Nada é tão fácil assim, e hoje principalmente, temos certa fragilidade em todos os “objetos que se servem para identificação”. Vivemos um mundo um tanto vazio de significado interior; observamos, inclusive na clínica, pessoas depressivas que escondem em seu sofrimento uma sensação de vacuidade, de um Eu sem consistência própria, com isso, demandando sempre dos outros uma dependência fusional. “Sem o outro não existo”, fala-se muito! O outro é meu espelho, minha referência, meu “porto seguro”.
É óbvio que isso depende de traumas precoces, feridas emocionais que deixam pelo resto da vida, buracos existenciais jamais preenchidos e, como consequência, personalidades “como se”; existem também, pessoas que carregam pouca amorosidade e uma predominância daquilo que os psicanalistas chamam de “pulsão de morte”. Personalidades destrutivas, masoquistas, sádicas, permanentemente envolvidas em comportamento autodestrutivo.
Percorrendo e relendo o belo livro de Jorge Luis Borges Primeira poesia, encontrei uma, chamada de Ausência. Passo a transcrevê-la, tanto como mais um poema profundo de Borges e quanto uma metáfora que quero passar aos leitores.
Ausência
Hei de edificar a vasta vida
que mesmo agora é teu espelho:
toda manhã hei de reconstruí-la.
Desde que te afastasse,
tantos lugares se tornaram inúteis
e sem sentido, como luzes no dia.
Tardes que foram nicho de tua imagem,
músicas em que sempre me esperavas,
palavras daquele tempo,
eu terei de quebrá-las com minhas mãos.
Em que profundezas esconderei minha alma
para que não enxergue tua ausência
que como um sol terrível, sem ocaso,
brilha definitiva e impiedosa?
Tua ausência me cerca
como a corda o pescoço.
O mar em que naufraga.