Cowap é o Comitê de Mulheres e Psicanálise da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), criado em 1998 na gestão de Otto Kernberg. No contexto brasileiro, sua representação é o Cowap Brasil, fundado em 1999. O Comitê se dedica a estimular a investigação das complexas relações entre as categorias de sexualidade e gênero, as influências culturais e históricas na construção das teorias psicanalíticas relacionadas ao feminino, masculino e temas afins, bem como sua complexidade na constituição da subjetividade humana.
Desde 2020, o tema da violência contra as mulheres ocupou o centro das atenções, da atual gestão, marcada pelo início da pandemia de covid-19. O isolamento social, adotado como precaução contra o vírus invisível e desconhecido, infelizmente resultou em um aumento preocupante de outro mal invisível: a violência doméstica, em alguns casos culminando em feminicídios.
O Cowap Brasil, sensibilizado por essa situação, dedicou-se intensamente ao estudo e discussão desse tema, sob diferentes vértices, por meio de sete encontros ao longo de 2020, unindo colegas do Brasil e América Latina.
Diante das inúmeras perdas e do aumento alarmante da violência, surgiu a necessidade de falar do amor, de Eros. Nas palavras sábias de Guimarães Rosa, “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura”. Com isso em mente, embarcamos na temática “As diversas faces do amor” durante nossa Primeira Jornada.
Os povos indígenas possuem um ditado que ecoa profundamente: “Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”. Isso ressalta a transmissão oral de uma riqueza de conhecimento e sabedoria, um processo que não é tão diferente na psicanálise. Grande parte do que aprendemos é passado oralmente, fluindo de geração para geração.
Em 2021, durante o período de maior letalidade da pandemia, “muitas bibliotecas se queimaram” e muitas pessoas queridas nos deixaram, surgiu a ideia de homenagear as mulheres que inspiraram o Cowap e a própria psicanálise, uma forma de manter viva a memória delas. Se onde há trauma, não há memória, esse trabalho de resgatar a memória e a força dessas pioneiras nos ajudou a atravessar esse período traumático.
Homenageamos as mulheres que fizeram história na psicanálise por suas lutas, conquistas e transformações, abrindo espaços até então inexplorados. A primeira homenageada foi a psicanalista argentina Alcira Mariam Alizade, uma das idealizadoras do Cowap. A segunda homenageada foi Virgínia Ungar, a primeira mulher presidente da IPA em mais de 100 anos de sua existência, ela foi nossa convidada de honra no evento comemorativo ao Dia Internacional da Mulher.
Dando continuidade a esse projeto, revisitamos cinco casos clínicos de mulheres que estimularam o pensamento freudiano. Demos espaço e voz a: Dora, Anna O, Sidonie, Katharina e Elizabeth. Essas apresentações à luz da atualidade, geraram debates valiosos.
Nesse mesmo ano, 2021, organizamos eventos preparatórios com o tema “Desatando nós e (re)criando laços: um olhar sobre a violência”, que seria abordado na Jornada Cowap Brasil, no XXVIII Congresso Brasileiro de Psicanálise, da Febrapsi. O congresso foi transferido, em função do recrudescimento da pandemia para 2022.
Num voo panorâmico pelas federadas, destacamos a diversidade de eventos, jornadas e cursos promovidos pelos grupos de estudos do Cowap no Brasil. Ainda em 2021 a necessidade de resgatar e preservar a memória continuou, e resultou na criação de uma agenda e de um calendário homenageando 12 pioneiras da psicanálise no Brasil.
No início de 2022, foram realizados dois eventos significativos. “Cenários femininos” foi uma apresentação de trabalhos que lançaram luz sobre o silenciamento da mulher na literatura e na filosofia. No XXVIII Congresso Brasileiro de Psicanálise da Febrapsi, foi criado um Espaço Cowap, no qual retomamos o tema “Desatando nós e (re)criando laços: um olhar sobre a violência”. Nesse contexto de dar voz às mulheres, apresentamos a vida e obra das doze pioneiras da psicanálise no Basil, enriquecendo as discussões com a participação das pessoas que conviveram com elas, encontros marcados por muita emoção.
Nessa tecitura das memórias, mantivemos nossa atenção no presente e nas questões atuais. Diversos encontros abordaram temas desafiadores da clínica contemporânea, relacionados a gênero, sexualidade, infância e adolescência.
Chegamos ao final de 2022 vacinados e preparados para lidar com o covid-19, agora, menos letal, nesse período pós pandêmico, com certo alívio após o tumulto inicial da pandemia e suas consequências, mas o vírus da violência doméstica continua ativo, persistindo em sociedades nas quais as estruturas patriarcais prevalecem. Esse problema arraigado se alimenta de uma misoginia estrutural, que afeta tanto física como psiquicamente mulheres, crianças e adolescentes, vítimas diretas ou indiretas dessas situações de violência, tendo um efeito numa transmissão de geração a geração.
Alinhados com o projeto proposto por Patrícia Alkolombre, a Chair do Comitê Cowap da IPA, e mantendo nosso compromisso de tornar audível as vozes das mulheres silenciadas pela violência, escolhemos “Corpo, silêncios e vozes do feminino” como tema central para a II Jornada Cowap Brasil.
Considerando a complexidade do tema, que é atravessado por questões históricas, sociais, culturais e psíquicas, buscamos abordá-lo sob diferentes vértices, expandindo, assim, nossa compreensão analítica.
Boas-vindas a todos.
Rosa Sender Lang