Na poética drumoniana, as transformações do Narcisismo

A obra do nosso poeta maior é desde seu primeiro livro – “Os 25 poemas da Triste Alegria” até sua obra madura de “Boi tempo I e II, obras que refletem uma trajetória existencial, fenomenológica, autoanalítica, socio-política e principalmente uma permanente preocupação com o Eu do mundo interior, o Eu no mundo e o próprio mundo. Podemos fazer aproximações de caráter ontológico, filosófico, psicanalítico e político, sempre elaborando. Recordo-me dos escritos de Ludwing Biswanger, psiquiatra e psicoterapeuta, amigo pessoal de Freud e profundo conhecedor da ideias de Heidegger quanto à importância da Analítica Existencial e a importância da Daseinsanálise (análise do ser-aí), no sentido de estudar a condição humana não reduzindo a classificação patológica, mas uma condição humana de ser-no-mundo. Sua ideia era o estudo do “ser ligado ao próprio mundo”, “ao mundo compartilhado” e ao “mundo circundante do ser humano”, elaboração permanente na obra do poeta itabirano desde sua infância aos últimos poemas contido na série Boi Tempo.

Hoje me refiro a um poema —“Mundo Grande”, escrito em 1938 e só publicado em 1940 em um dos mais significativos de seus livros – “O sentimento do Mundo”. Qual minha leitura de Mundo Grande? Uma sensível, profunda auto-análise sobre a elaboração de aspectos narcísicos do autor, que se inicia em “Alguma Poesia”, obra jovem de 1930. Após essa fase e as seguintes, o próprio Drummond e seus críticos, tais como Affonso Romano de Sant’Ana e outros não menos importantes definem a trajetória das vivências de Drummond quando se define como, primeiro o Eu maior do que o Mundo; segundo o Eu do tamanho do Mundo e finalmente sua elaboração mais profunda, do seu próprio narcisismo, o Eu menor do que o Mundo.

O nosso poeta percorre a “arrogância da juventude”; o contato com a grande cidade, Belo Horizonte, pois Itabira era seu mundo provinciano sem
se dar conta, e finalmente o espanto, o susto, a vivência da fragilidade do seu Eu, quando sai da terrinha! e chega na grande metrópole, o Rio de Janeiro. “Não, meu coração não é maior do que o mundo…não cabem nem as minhas dores”. “Sim, meu coração é muito pequeno” – Drummond verdadeiramente começa a se dar conta da pequenez humana, quando, ainda no poema, versa: “sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso num só peito de homem…sem que ele estale. Aqui há uma dor psíquica do começo da desidealizaçao narcísica, transformação que realiza seu crescimento psíquico, análogo ao uma elaboração de um processo psicanalítico. Binswanger vai lembrar de Martin Buber quando este fala do “abismo existencial”, não se estar no mundo essencialmente como si mesmo, mas como ser-com ou…como ser-um-com-o-outro em um presente propriamente dito, a noção de Amor em Buber.

“Meu coração não sabe/ estúpido…só agora descubro como é triste ignorar certas coisas”, versos que apontam para a coragem do nosso “mineiro-carioca” de hospedar o não saber como condição a-vir-saber.

Em outro verso, Drummond revela a coragem de si mostrar “menor do que o Mundo” quando escreve: “Nunca escutei voz de gente,/em verdade sou muito pobre”. Não se dava conta(?) que estava realizando sua sabedoria!

Termina seu belo poema, versando: “…o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor./ Então meu coração pode crescer/ entre o amor e o fogo,/ entre a vida e o fogo,/ meu coração cresce de metros e explode.—Ó vida futura! Nós te criaremos”.

Notem, “nós te criaremos”, não mais o Eu maior do que o Mundo, mas o Eu-com-o-mundo. O psicanalista Wilfred Bion chamou esse fenômeno de “transformação do narcisismo em socia(ismo).

Deixo aqui, mais uma vez, que o conhecimento psicanalítico não é “maior do que o mundo”. Lembremos de Heidegger citado no discurso de Binswanger:” Isso, porém, como que lidam psiquiatria e psicoterapia(inclusive a psicanálise), o grifo é meu, enquanto ciências é sabidamente “o homem”; de modo algum em primeira linha o homem psiquicamente doente, mas o homem.

 

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